Episódio #20 - Um Ser Solidário
Episódio #20 – Um Ser Solidário
Episódio #19 - Precisamos de Correr
Precisamos de Correr
De uma vez por todas, temos de preencher a Educação dos meios humanos e materiais para que possamos, de facto, atingir um outro patamar no nosso desenvolvimento.
Isso é urgente. E na dúvida, temos o que aconteceu à vista dos nossos olhos espantados e das nossas mentes perplexas: o funeral do kudurista Nagrelha, um momento de homenagem, de celebração de um elemento da nossa identidade musical contemporânea, que é nossa, porque é dos bairros, é das nossas pessoas, mesmo que nos custe lidar ainda com ele. Mas esta crónica não é sobre kuduro nem tão pouco sobre Nagrelha.
Há cerca de uma semana evitei abordar o tema relacionado a morte do nosso músico e verdadeiro influencer Nagrelha. Antes de mais, gostaria de expressar à sua família, amigos e fãs os meus profundos sentimentos de pesar.
Mas passados alguns dias, julgo que é útil e oportuno reflectirmos sobre o que sucedeu no funeral de Nagrelha. Sobre este ícone do kuduro, não poderia estar mais de acordo do que aquilo que escreveu o meu querido kota Ismael Mateus nesta mesma página, há uma semana, com o título sagaz “Nagrelha, um herói improvável”.
Na passada terça-feira, assistimos todo ao funeral de Nagrelha, homenageado por dezenas de milhares de jovens que lotaram as ruas, em particular no troço entre a Cidadela Desportiva e o Cemitério de Sant’Ana.
Mas o que poderia ser um momento de homenagem a um dos mais populares músicos da actualidade, rapidamente se transformou num momento marcado por actos de vandalismo de alguns que se aproveitaram do momento contra os outros pedestres e motoristas ou viaturas que ousaram circular naquele troço ou nos arredores.
Os jovens agrediram tudo e todos, sem o menor pejo face às filmagens que iam sendo feitas e postas a circular. Aquelas imagens fazem-nos pensar… Foi um momento preocupante e que revela bem a nossa pequenez.
Acreditava que o momento seria de homenagem ao ícone em que se transformou Nagrelha, admirado não tanto pela sua musicalidade mas pela força do seu carácter e carisma. De qualquer modo, as suas músicas são conhecidas e era um momento em que os populares poderiam cantar e exaltar a sua obra, aquilo que é o seu principal legado numa morte assustadoramente prematura.
Mas a confusão que se instalou confirma também a nossa dificuldade em organizar e prever processos. E, claramente, os órgãos de segurança pública poderiam lidar de forma mais preventiva e dissuasora com este evento, ao contrário, o que vimos foi uma arruaça que se alastrou naquele perímetro da cidade de Luanda e que só foi contida no cemitério de Sant’Ana, da pior maneira, e quando era tarde demais e os estragos estavam feitos.
Do acontecimento, salta à vista a predisposição de « alguns » jovens para a agressividade fortuita, desvalorizando completamente quem estivesse do outro lado. No fundo, há também um sinal político no comportamento que os jovens revelaram durante o funeral de Nagrelha.
Para mim, não é surpreendente a enchente em si mesma, como tentaram reflectir alguns. Para mim, é assustadora a forma como os jovens se comportaram, revelando uma ausência total de valores, o que me leva mais uma vez a questionar a eficácia dos conteúdos de Educação Moral e Cívica que se ensinam nas escolas; leva-me mais uma vez a questionar o papel das igrejas tão proliferadas no nosso seio, e sou tentado a acreditar que a fé se tornou mesmo um negócio; ademais, o papel da comunicação social, em particular da rádio, que a exemplo que faz e muito bem o Man Gomito, poderia ser um pilar importante para a transformação social, ajudando na educação cívica e cultural dos jovens.
Mas há outras estruturas importantes, as ONGs e os educadores sociais, para não referir o núcleo vital da sociedade que deveria ser a família.
Uma caracterização draconiana que me fez um amigo é para mim fulminante: “falhamos, brother”. Fez uma pausa e acrescentou: « mas ainda temos tempo. Precisamos de correr! ». Ngouabi Salvador é para mim uma referência do que é o compromisso com o outro.
A frase célebre de Agostinho Neto – o mais importante é resolver os problemas do povo – tem hoje um valor incontestável para quem trabalha para o Estado, é imperativo que a missão deve ser a de servir para ajudar o povo a resolver os seus problemas. É por isso fundamental desenhar políticas públicas que concorram para esse efeito.
Por exemplo, a educação precisa ser encarada com outra perspectiva no sentido de materializarmos a expressão segundo a qual o lugar de criança é na escola. Levar isso a peito e sermos ambiciosos em termos de metas sobre o compromisso que devemos fazer todos, enquanto país, para acabarmos com a vergonha que é termos crianças fora da escola.
E quando digo escola, é isso mesmo… na escola, com professores e ali onde se impõe, com merenda escolar.
Fenómenos como aquela arruaça resultam também de um certo obscurantismo sobre o qual as pessoas só se libertam com a Educação. A Educação ocupa um lugar central nos objectivos de desenvolvimento do milénio e interferem em todos os processos. E a desestruturação das famílias fruto do caos social em que nos encontramos precisa de ser encarado de frente porque ainda há tempo, basta que sejamos rigorosos em matéria de gestão e políticas públicas inclusivas. Esse jargão, tem de se tornar uma bússola e tornarmos o bem-estar social numa realidade material em todos os lares, com pão, água, luz, educação e saúde. O resto, como quem diz, o betão não tem pressa.
Episódio #18 - História não se apaga, evitemos que se repita
Episódio #18 – História não se apaga, evitemos que se repita
A história não se apaga e evitemos que se repita
Adebayo Vunge
Há cada vez mais literatura disponível sobre os principais eventos da nossa realidade histórica, especialmente do pós-independência que, como todos sabemos, tem episódios muito marcantes para a vida de todos e de cada um de nós.
Na lógica da alteridade, especialmente entre o MPLA e a UNITA encontramos eventos que sacudiram o establishment e determinaram um curso diferente da nossa história.
Não podemos por isso olhar de soslaio para tentar perceber o que efectivamente se passou por exemplo no 27 de Maio de 1977. De tudo o que li e procuro de forma afoita, saltou-me à vista, a obra “Em nome do Povo”, da jornalista inglesa Lara Pawson, que junta diversos relatos, portanto, diversos olhares nem sempre encontrados de um evento que sacudiu o poder do MPLA na jovem República Popular de Angola.
Mas o caricato é que o mesmo tabu com que se aborda o 27 de Maio vemos no 7 de Setembro de 1983 em que se realizaram as malditas fogueiras na Jamba onde foram a partir daquele momento sendo queimadas até a morte diversas figuras de proa da UNITA, sob a liderança de Jonas Savimbi. Os homens que representassem ameaças à sua liderança ou ainda as mulheres que, por alguma estúpida razão, considerasse bruxa, o destino não poderia ser outro senão a sua eliminação.
Acho curioso que diante de um tema tão delicado faltem vozes com a ousadia e irreverência da jornalista Bela Malaquias que nos dá um testemunho significativo sobre o que se passou naquelas hostes. O tema é de tal sorte um tabu que já vi pessoas negarem a sua existência ou atribuírem à sua existência a propaganda do MPLA, num jogo que nada mais visa senão colocar areia nos olhos da juventude carente de conhecimentos sobre a nossa História.
Diante deste retrato suportado em factos incontestáveis, parece muito estranho que alguns criem epítetos bondosos para classificar a figura do antigo líder da UNITA. Não é para aqui chamada a sua dimensão pessoal de pai, mas ousar classificar Jonas Savimbi de pai da democracia ou de seja lá o que for é uma ofensa atroz às vítimas desse feminicídio tão bem retratado na obra literária “Heroínas da Dignidade”. E para estes afoitos defensores da desumanidade, a autora deixa no prefácio uma análise interessante: essa mesma história – entenda-se a história de humanidade – ensina-nos que um ditador não passa de uma ilusão ou ficção por nós aceite: na verdade, o seu poder só cresce através de alguns « sub-ditadores » conscientes, cuja acção tirânica e de corrupção não tarda a tornar-se insuportável.
O tema é de tal sorte delicado que o livro de Belas Malaquias destapa uma dura realidade da vida nas matas e das razões de fundo para comportamentos tão invulgares no seio dos seus « maninhos » de então que conviviam cobardemente com aquela realidade marcada por mortes e assassinatos de assustadora frieza. Tenta ainda perceber a postura dos militares, que poderiam ser considerados co -autores e responsabilizados não apenas pela destruição mas principalmente por todas aquelas vidas, como se pode ler no capítulo 33 cujo título é a humilhação orquestrada pelo grupo de fuzilamento.
Em vários capítulos, mas de fácil e muito rápida leitura, tal a sua veia jornalística marcada pela objectividade, algumas vezes deliciando-nos com pormenores de uma longa marcha e vida nas matas desde 1976 até a instalação na mítica Jamba e os anos seguintes tendo como esteio fundamental uma caracterização das suas vítimas no fatídico 7 de Setembro de 1983. O livro é um testemunho importante.
Depois da Vice-Presidente do MPLA ter evocado estes episódios durante um comício na campanha eleitoral do seu partido, decidi também ir a atrás do livro. Não gosto que me contem, prefiro ler e conhecer para não ser enganado com discursos que escondem uma história marca de atrocidades mas ocultada.
E não nos enganemos. Está a criar-se uma ilusão segundo a qual a reconciliação passa por apagarmos ou sonegarmos a história. É falacioso. E sob pena de não cairmos um dia no mesmo, vamos divulgar a nossa história.
A reconciliação pressupõe perdão, mas perdoar não é apagar, é desculpar o erro do outro. É por isso fundamental que o outro faça também o seu pedido de desculpas. É fundamental também que o Estado edifique um monumento em memória daquelas vítimas, principalmente as mulheres e crianças, como se pode ler no capítulo 27 com a história das vinte uma pessoas queimadas vivas.
Se a História não se apaga, é importante que ela não se repita. Por isso, saúdo e recomendo efusivamente o livro de Bela Malaquias como o fiz com o de Lara Pawson e outros que possam surgir com o objectivo de nos trazer mais luz sobre a nossa História. Uma edição da Mayamba, o livro encontra-se disponível em vários espaços comerciais ou nas nossas raras livrarias. Boa leitura.
Episódio #17 - em conversa com Genésio Lemos Couto
Genésio Lemos Couto. Com Ampla experiência na gestão de pessoas, supply chain, TI e planejamento estratégico, nos setores do agronegócio, construção civil e industrial no Brasil e exterior. Durante 15 anos, como expatriado, foi diretor executivo empresarial na América Latina e África. Atuação destacada na estruturação de equipes enxutas e multidisciplinares com foco na racionalização de custos e aplicação da cultura organizacional como elemento de engajamento e comprometimento com os resultados.
Autor do livro Luz, Câmera & Gestão. Leveza e criatividade na solução de cases empresariais.
Episódio #16 Ainda o 11 de Novembro
Episódio #16 Ainda o 11 de Novembro
Episódio #15 - Capital humano e flagelo social
Capital Humano e flagelo social
Retomo o discurso da veneranda juíza conselheira e presidente do Tribunal Constitucional para abraçar a ideia de uma Angola que se constitua numa “prazerosa realidade até para o mais humilde dos angolanos”. Sem dúvida, é uma ideia forte que nos deveria perseguir a todos. Lutar para que as nossas populações deixem de viver na indigência deverá ser o drive, como defende o «Eme», no seu Programa Maior.
Por isso, quando falamos na valorização do angolano estamos a pensar na capacidade e nas iniciativas que devem ser gizadas para que possamos ter um mínimo de dignidade para todos os angolanos. Aqui reside a vital importância de programas como o Kwenda que visam transferir recursos para as pessoas, especialmente naquelas comunidades mais carenciadas.
É também vital que a implementação do Kwenda possa dar o salto que permita que o emprego e a renda, tal qual a educação sejam os verdadeiros elevadores sociais. Por isso, consideramos que só iremos retirar as pessoas da pobreza quando estas tiverem capacidade de desenvolver actividades que proporcionem o seu próprio sustento. Num primeiro momento, damos o peixe, mas é fundamental que as pessoas aprendam a pescar. E, como é obvio, estamos a falar mais uma vez da educação.
Não é o que parece comum quando ouvimos as exigências educativas das grandes cidades. Distorcemos e criamos na sociedade muitos equívocos que nos levam a prestar maior atenção ao Ensino Superior (ainda assim de má qualidade) do que a base. Parece por isso evidente, cada dia mais, que é importante avançar com a formação técnico-profissional, com a formação média e acima de tudo com uma formação de base bastante robusta e de qualidade para todos os cidadãos. Uma formação de que dê ao individuo ferramentas para que tenha um raciocínio lógico. Que saiba aritmética básica. Que saiba falar e escrever correctamente em Português, numa língua Bantu e numa outra língua como Inglês, Francês ou Mandarim.
O mais humilde dos angolanos precisa de ter acesso ao Sistema de Ensino sem grandes estresses e preocupações. Percebermos todos que o lugar da criança é na escola e nos envergonharmos das estatísticas que mostram o número de crianças fora da escola. Mas ainda assim agirmos para combater esse fenómeno e onde a saída pode estar numa velha fórmula, ou seja, nem que para isso tenhamos de voltar ao velho sistema de três turnos nas escolas primárias.
Fico satisfeito, porque hoje já muitos concordam com a minha velha tese: o Estado não está a conseguir acompanhar a dinâmica demográfica. Por isso, é importante repensar, avaliar, ponderar e desenhar novos modelos que nos permitam chegar ao tamanho ideal da população, fazendo-o de forma pensada e estratégica para que isso não resulte noutros problemas. O dividendo demográfico, ao contrário do que sucede hoje, tem de nos ser favorável.
O planeamento e o sentido estratégico do crescimento da população está também muito ligado ao próprio planeamento e sentido estratégico do crescimento económico. Voltamos a crescer. Como podemos voltar a gerar actividades que nos ajudem a empregar os jovens angolanos em todos os sectores da economia? Mas deixo outra provocação: Será mesmo normal que as big-five da consultoria em Angola continuem a ser dominadas por estrangeiros em toda a sua estrutura directiva a tal ponto que fazemos festa quando um angolano é promovido à partner nessas empresas? Será mesmo normal que grande parte dos bancos sejam “controlados” por comissões executivas dominadas por estrangeiros? Não estranha por isso que os bancos sejam altamente lucrativos mas obedecem a lógica de repatriamento de dividendos e não a disponibilização de recursos para a economia nacional…
De resto, enquanto não investirmos fortemente na educação teremos um flagelo social e os próprios cidadãos no lugar de contribuir para a edificação estarão a contribuir para a destruição. É essa a ideia que me vem quando ouço notícias muito tristes como o número de acidentes nas nossas estradas – não se pode dizer que é apenas decorrente do mau estado das estradas. O grau de consciência e responsabilidade deveria ser maior. E quando falo em condutores penso também nos kupapatas. Estão mesmo habilitados para não perguntar licenciados?
O nosso flagelo social é visível no roubo de cabos dos postes de iluminação públicas das cidades e principais estradas, sendo o caso mais aberrante e flagrante ou caricato o do largo 1º de Maio em Luanda ou ainda a recente notícia do roubo dos cabos de iluminação do aeroporto do Uíge. Já não me refiro ao fracasso do policiamento, mas o quanto os próprios cidadãos acabam por auto-mutilar o país.
O nosso flagelo social está no vandalismo dos cabos de fibra óptica que levam as comunicações para várias zonas do país ou ainda no vandalismo que é a destruição de equipamentos públicos como o partir janelas dos comboios.
Mas o nosso flagelo social está também nas imagens degradantes de alguns cidadãos a “catar” resíduos nas lixeiras e contentores, ora para encontrar restos de comida para enganar o estômago, ora também para retirar latas e plásticos para venda aos grupos que hoje se ocupam do negócio da reciclagem, quando poderiam ser encontrados outros mecanismos de recolha mais dignificantes.
Portanto, o flagelo social só pode ser invertido com um elevado envolvimento dos populares na busca de soluções que sejam sustentadas. O flagelo social só pode ser invertido com uma educação verdadeiramente libertadora onde as crianças percebam desde pequeno o valor da solidariedade, da higiene, da nutrição, do respeito pelas instituições, tal qual o temor a Deus. O flagelo deve dar lugar ao capital humano e tornar os angolanos motores do desenvolvimento e não obstáculos, por muito que nos custe admitir.
Episódio #14 em conversa com Sociólogo Paulo de Carvalho
A edição n.14 das Impressões Digitais traz uma conversa com Paulo de Carvalho
Nascido em Luanda, em 1960, é um jornalista, escritor e sociólogo angolano, e agora deputado a Assembleia Nacional pela bancada do MPLA.
É autor de oito livros e de mais de cinquenta obras acadêmicas, em sua maioria voltadas para a sociologia e comunicação social.
Biografia
Nascido em Luanda, em 1960, começou a trabalhar na Secretaria de Estado da Cultura em 1979, tendo chefiado o Departamento de Casas de Cultura e o Departamento de Espectáculos até 1990.
Rumou para a República Popular da Polónia na década de 1980, onde havia ganhado uma oportunidade para estudar sociologia na Universidade de Varsóvia. Conclui a graduação e o mestrado na mesma instituição, de onde recebe os últimos créditos em 1990.
Ao retornar da Polônia, foi trabalhar no Ministério da Informação, entre 1990 e 1991, e; tornou-se director do Centro de Imprensa “Aníbal de Melo”, entre 1991 e 1992.
Tornou-se administrador da representação da Oxford Committee for Famine Relief da Grã-Bretanha, em Luanda, no ano de 1992, onde permaneceu até 1993.
Neste mesmo ano (1993) torna-se consultor e jornalista em veículos privados, nomeadamente Jornal de Angola (1997-2007), Semanário Angolense, Angolense, Agora, Correio da Semana e InformÁfrica Confidencial.
Em 1996 torna-se docente da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto, onde actualmente está na categoria de professor associado, e no Instituto Superior de Ciências de Educação de Luanda.
Pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, em 2004, doutora-se em sociologia, defendendo a tese intitulada “Exclusão Social em Angola. O caso dos deficientes físicos de Luanda”, sob orientação do professor Fernando Luís Machado.
Tópicos(s): Assembleia Nacional, Ministério da Educação, MPLA, UNITA, Universidade Agostinho Neto
Episódio #13 - JES é um património nacional
No exacto momento em que começava a escrever este artigo, sai a notícia inesperada – sim, a morte é por definição inesperada, seja em que circunstâncias for -, através de um comunicado da Presidência da República que anunciava a morte do ex-Presidente da República e Presidente Emérito do MPLA, o engenheiro José Eduardo dos Santos, aos 79 anos de idade é vítima de doença prolongada.
Ao longo da minha vida, por conta do longuevo mandato na liderança do nosso país, aprendi a admirar a figura do Presidente José Eduardo dos Santos (JES), de quem gostaria um dia de escrever, com um pouco mais de tempo e profundidade, no sentido de entender melhor a sua inspiracional trajectória de vida, tão intrinsecamente ligada aos principais momentos da História do nosso país, ele, como nenhuma outra pessoa que tenha chegado tão longe no poder – a luta contra o colonialismo, que cedo abraçou; a Independência Nacional; a crise política gerada com a intentona do 27 de Maio de 1977; a difícil sucessão do Presidente Agostinho Neto, sendo ele um dos jovens turcos ao lado de enormes gurus; os anos do conflito civil, num país “órfão da Guerra Fria”, como classificou Margareth Anstee; a mudança político-constitucional de 1991 e as eleições de1992; o reacender do conflito por mais uma década, no meio de processos de paz desastrosos e o fim da guerra pela via militar tendo os próprios angolanos como protagonistas – onde é relevante a sua frase mais marcante: “nem mais um tiro”; o alcance da paz e a reconstrução do País, a teoria da acumulação primitiva de capitais e outras práticas ou opções de consequências de que ainda hoje padecemos; a mudança constitucional e a sua própria transição política.
A sua dimensão política leva-nos a assumir que JES é um património nacional, ou como quem diz: “JES não é da família, JES é de todos nós” e, como tal, o nosso grande patriota merece descansar no “panteão”, em solo pátrio. E isso nem parece questionável. Oxalá, por isso, que o desfecho premonitório na obra de Pepetela seja uma mera ficção. Com todo o respeito e consideração que a família do ex-Presidente merece, não podemos perder de vista o seu estatuto, de resto sobre o qual dele até sempre fizeram juz.
A sua trajectória está também indubitavelmente ligada a momentos e figuras marcantes da história do continente africano e do mundo. Falo de Mobutu e outros vultos da política africana com quem manteve sempre uma relação difícil (Boigny e Senghor), para além de outros como Samora Machel, Robert Mugabe, Nelson Mandela, Arap-Moi, Joaquim Chissano; Fidel Castro e Cuba têm um estatuto especial; Presidentes americanos como Reagan, Clinton e os Bush (pai e filho), o movimento dos não-alinhados, Gorbatchov, Yeltsin e os seus antecessores soviéticos, a China do século XXI, a queda do muro de Berlim, o fim do apartheid, as independências na África Austral, o 11 de Setembro e outros eventos nos quais se envolveu com forte sentido estratégico e lastro de um diplomata notável.
Esperamos que essa história de vida, ou pelo menos as notas e os documentos, estejam reunidos e guardados, porque não fazem só parte das memórias de um político, mas da nossa memória colectiva, da nossa História, onde José Eduardo dos Santos é um notável protagonista. Na verdade, Zé Dú, como era carinhosamente tratado, foi, sob este ponto de vista, uma enorme biblioteca (até mesmo no sentido do seu silencioso agir) e esperamos que, com a sua morte, não percamos a possibilidade de conhecer o seu testemunho sobre a nossa sorte e a nossa História nas várias etapas. Há claramente um JES de 1979-1992; um outro de 1992-2008; por fim, de 2008-2017. Fica o desafio aos historiadores.
Não sou daqueles que julgue o todo pelas partes, embora considere que as peças formam o puzzle. Por isso, na sua condição humana e em nada transcendental, embora muitos de nós o víssemos assim, José Eduardo dos Santos terá cometido os seus erros, mas não é seguramente este o melhor momento para esta avaliação. Caberá à História e ao seu Povo, que dirigiu ao longo de 38 anos, com grande entrega e comprometimento, julgá-lo em relação ao que era seu propósito: “ser lembrado como um grande patriota”.
Há algo que me parece inquestionável, José Eduardo dos Santos deu o melhor de si em nome de uma causa que era comum: a paz em Angola, razão porque passou a ser considerado o «Arquitecto da Paz». A melhoria de vida para os angolanos, mesmo que nem sempre seguindo os melhores métodos, era a sua segunda ambição. Se como assume Francis Fukuyama numa recente entrevista, “a democracia é uma construção constante”, cabe-nos a todos seguir o mesmo princípio, contribuir com o nosso bloco na edificação desta Angola e democrática que todos desejamos, seja em termos económicos como também geopolíticos.
O que nos resta, nesta hora, como cristãos, é desejar que José Eduardo dos Santos descanse em paz e a terra lhe seja leve, pois, como diz a Bíblia Sagrada, acredito que combateu um bom combate! Termino com o estrato de uma memorável canção da campanha eleitoral de 1992: é mesmo em Zé Dú / é mesmo em Zé Dú / em quem vou votar!
Episódio #12 - Entrevista ao GOZAtv
Em sua cidade natal fez toda a sua formação (primária, secundária, médio e universitário). Cedo começou a trabalhar, inicialmente com o fito de conciliar a teoria com a prática enquanto frequentava a décima classe no Curso Médio de Jornalismo do IMEL em Luanda.
Assim, iniciou a sua carreira como estagiário no jornal Angolense, mas foi no Comércio Actualidade onde se notabilizou. Passou ainda pela revista Figuras & Negócios, pela TPA e Novo Jornal, onde foi seu editor e actualmente é apenas colaborador/colunista.
Durante algum tempo deixou a actividade jornalística directa para dedicar-se ao marketing institucional. Inicialmente na UNITEL e posteriormente foi Líder do domínio da Comunicação e Marketing Institucional do PERT (Projecto Executivo para a Reforma Tributária), órgão afecto ao Ministério das Finanças.
Na televisão, foi guionista de uma telenovela (Reviravolta) e dos programas “Vencedores” e “Jovemania” de que foi seu criador (com Gilberto Luther) e co-apresentador (com Rossana Miranda). Licenciou-se em Comunicação Social na UPRA onde actualmente ministra, como Assistente, as cadeiras de História da Comunicação Social e Teorias e Técnicas de Jornalismo. Tem se dedicado também ao trabalho de consultoria em assessoria de imprensa, para além da investigação científica sobre jornalismo em Angola. Neste quesito, lançou duas obras: “Dos Mass Media – História, Teoria e Crítica” (2006, edição do autor) e “A Credibilidade dos Media em Angola” (2010, edição Casa das Ideias). Tem na forja novas obras literárias, nomeadamente um conto infantil e um novo ensaio sobre Ética Jornalística em Angola. Tem vários artigos publicados em Angola e no estrangeiro sobre Política, Cultura e Relações Internacionais.
Por indicação da então ministra da Comunicação Social de Angola, em Dezembro de 2011 foi nomeado, pelo ministro das relações exteriores, Adido de Imprensa (com categoria de Conselheiro) da Embaixada de Angola em França, residindo por isso em Paris. Editou duas obras promocionais sobre Angola destinadas ao público francês: Angola (2013) e Angola – Reconstruction, Croissance et Development (2014), para além de editar mensalmente uma newsletter, Courrier de l’Angola, que se encontra disponível no site da Embaixada, www.ambassadeangolafrance.org .
Em Julho de 2015 regressou a Luanda onde foi nomeado Director do Gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa do Ministério das Finanças, passando a coordenar a equipa de comunicação desta entidade e indirectamente dos organismos de tutela.
Em 2017, lançou em Luanda e Lisboa o livro “Pensar África“, com chancela da editora luso-cabo-verdiana Rosa de Porcelana. Este livro, aborda uma inovadora visão sobre África na perspectiva do seu desenvolvimento e da sua integração activa na economia mundial, identificando, no cumprimento deste desiderato, os principais constrangimentos e condicionalismos que ainda impendem globalmente sobre o continente. Esta visão ousada sobre os desafios africanos alberga uma série de potencialidades para que seja enquadrada pelas altas instâncias do conhecimento como uma nova visão endógena e moderna sobre a África. O livro tem o prefácio de José Maria Neves e o posfácio de Archer Mangueira, respectivamente ex-Primeiro-ministro de Cabo-verde e ministro das Finanças de Angola.
Episódio #11 - com Job Vasconcellos
A 11a edição do seu podcast Impressões Digitais, de Adebayo Vunge, traz uma interessante conversa sobre o conteúdo local na indústria petrolífera angolana. Job Vasconcellos, quadro sénior da ANPG, depois de largos anos na Sonangol, é o convidado que aborda a sua visão, sustentada no livro de sua autoria, recentemente publicado em Luanda. Há oportunidades para os empreendedores angolanos e o Petróleo é o suporte para gerarmos novos suportes a economia de Angola.
Episódio #10 - "África Insubmissa", com José Maria Neves
África Insubmissa- Cristianismo, poder e Estado na sociedade pós-colonial foi escrito pelo cientista político, filósofo e intelectual camaronês Achille Mbembe, Doutor em História pela Universidade de Sorbonne e diplomado em Ciência Política pelo Institut d’études Politiques.
O autor possui como principais tópicos de pesquisa a História africana, os estudos pós-coloniais e as políticas sociais conferindo o esteio de uma nova abordagem epistemológica sobre África.
É este também o olhar do Presidente de Cabo-Verde, José Maria Neves, que em declarações exclusivas para essa coluna, no quadro do podcast com o mesmo nome, participou de uma reflexão sobre o continente africano, nos nossos dias, muito marcados já por um olhar pós-pandemia e porque não também dos efeitos da guerra na Europa.
José Maria Neves não tem dúvidas: África tem de se transformar num actor internacional relevante, mas mesmo que dependa de um árduo trabalho de casa a ser feito. Como quem diz, impõe-se melhorias ao nível da governação com a adopção de instituições e políticas económicas inclusivas.
A nossa conversa no podcast tem outros, neste caso particular, outras participações. Falo da jornalista Augusta Conchiglia e da socióloga Sheila Khan, qualquer uma delas com um olhar muito particular sobre as sociedades pós-coloniais, evitando um olhar manietado pelo dualismo do afropessimismo e do afro-optimismo. Sheila Khan traz-nos uma ferramenta muito útil para esse efeito: vigilância realista.
E a realidade do continente africano continua a ser marcado por substanciais desafios no plano social, político, económico e até cultural.
Claramente, há um factor de comum preocupação que tem a ver com a dimensão humana, mais do que o olhar do reservatório de recursos como tentam agora nos impor nestes tempos em que nos tornam como alternativa de recursos. Se a dimensão de recursos deve atender à necessidade de acrescentar valor, aumentar a produção e criar auto suficiência, a dimensão humana vive ainda embrenhada em enormes desafios. Desde logo, uma nova esperança, não utópica mas fundada no real para evitar os fluxos de migração tão assustadores e perturbadores pelo vazio social e económico que geram no continente. É uma esperança para que os jovens possam participar de forma igualmente decisiva como aconteceu com os nossos pais no passado da Luta de Libertação Nacional.
É a nossa África Insubmissa na nova ordem mundial, mas igualmente atenta às sinergias e complementaridade tão necessárias entre os diferentes países. É a nossa África Insubmissa que deve saber tirar o máximo proveito dos seus talentos. É a nossa África insubmissa que consiga realizar e fazer acontecer o que fica bonito em papéis como a Agenda África 2063.
Tendo a lanterna, precisamos de acender a luz e caminhar, saindo das trevas e do abismo.
Em conversa com:
José Maria Neves – Presidente de Cabo Verde
Episódio #9 - "África Insubmissa", com Sheila Khan
África Insubmissa- Cristianismo, poder e Estado na sociedade pós-colonial foi escrito pelo cientista político, filósofo e intelectual camaronês Achille Mbembe, Doutor em História pela Universidade de Sorbonne e diplomado em Ciência Política pelo Institut d’études Politiques.
O autor possui como principais tópicos de pesquisa a História africana, os estudos pós-coloniais e as políticas sociais conferindo o esteio de uma nova abordagem epistemológica sobre África.
É este também o olhar do Presidente de Cabo-Verde, José Maria Neves, que em declarações exclusivas para essa coluna, no quadro do podcast com o mesmo nome, participou de uma reflexão sobre o continente africano, nos nossos dias, muito marcados já por um olhar pós-pandemia e porque não também dos efeitos da guerra na Europa.
José Maria Neves não tem dúvidas: África tem de se transformar num actor internacional relevante, mas mesmo que dependa de um árduo trabalho de casa a ser feito. Como quem diz, impõe-se melhorias ao nível da governação com a adopção de instituições e políticas económicas inclusivas.
A nossa conversa no podcast tem outros, neste caso particular, outras participações. Falo da jornalista Augusta Conchiglia e da socióloga Sheila Khan, qualquer uma delas com um olhar muito particular sobre as sociedades pós-coloniais, evitando um olhar manietado pelo dualismo do afropessimismo e do afro-optimismo. Sheila Khan traz-nos uma ferramenta muito útil para esse efeito: vigilância realista.
E a realidade do continente africano continua a ser marcado por substanciais desafios no plano social, político, económico e até cultural.
Claramente, há um factor de comum preocupação que tem a ver com a dimensão humana, mais do que o olhar do reservatório de recursos como tentam agora nos impor nestes tempos em que nos tornam como alternativa de recursos. Se a dimensão de recursos deve atender à necessidade de acrescentar valor, aumentar a produção e criar auto suficiência, a dimensão humana vive ainda embrenhada em enormes desafios. Desde logo, uma nova esperança, não utópica mas fundada no real para evitar os fluxos de migração tão assustadores e perturbadores pelo vazio social e económico que geram no continente. É uma esperança para que os jovens possam participar de forma igualmente decisiva como aconteceu com os nossos pais no passado da Luta de Libertação Nacional.
É a nossa África Insubmissa na nova ordem mundial, mas igualmente atenta às sinergias e complementaridade tão necessárias entre os diferentes países. É a nossa África Insubmissa que deve saber tirar o máximo proveito dos seus talentos. É a nossa África insubmissa que consiga realizar e fazer acontecer o que fica bonito em papéis como a Agenda África 2063.
Tendo a lanterna, precisamos de acender a luz e caminhar, saindo das trevas e do abismo.
Em conversa com:
Sheila Khan-Socióloga, docente e Investigadora Moçambicana
Episódio #8 - "África Insubmissa", com Augusta Conchiglia
África Insubmissa- Cristianismo, poder e Estado na sociedade pós-colonial foi escrito pelo cientista político, filósofo e intelectual camaronês Achille Mbembe, Doutor em História pela Universidade de Sorbonne e diplomado em Ciência Política pelo Institut d’études Politiques.
O autor possui como principais tópicos de pesquisa a História africana, os estudos pós-coloniais e as políticas sociais conferindo o esteio de uma nova abordagem epistemológica sobre África.
É este também o olhar do Presidente de Cabo-Verde, José Maria Neves, que em declarações exclusivas para essa coluna, no quadro do podcast com o mesmo nome, participou de uma reflexão sobre o continente africano, nos nossos dias, muito marcados já por um olhar pós-pandemia e porque não também dos efeitos da guerra na Europa.
José Maria Neves não tem dúvidas: África tem de se transformar num actor internacional relevante, mas mesmo que dependa de um árduo trabalho de casa a ser feito. Como quem diz, impõe-se melhorias ao nível da governação com a adopção de instituições e políticas económicas inclusivas.
A nossa conversa no podcast tem outros, neste caso particular, outras participações. Falo da jornalista Augusta Conchiglia e da socióloga Sheila Khan, qualquer uma delas com um olhar muito particular sobre as sociedades pós-coloniais, evitando um olhar manietado pelo dualismo do afropessimismo e do afro-optimismo. Sheila Khan traz-nos uma ferramenta muito útil para esse efeito: vigilância realista.
E a realidade do continente africano continua a ser marcado por substanciais desafios no plano social, político, económico e até cultural.
Claramente, há um factor de comum preocupação que tem a ver com a dimensão humana, mais do que o olhar do reservatório de recursos como tentam agora nos impor nestes tempos em que nos tornam como alternativa de recursos. Se a dimensão de recursos deve atender à necessidade de acrescentar valor, aumentar a produção e criar auto suficiência, a dimensão humana vive ainda embrenhada em enormes desafios. Desde logo, uma nova esperança, não utópica mas fundada no real para evitar os fluxos de migração tão assustadores e perturbadores pelo vazio social e económico que geram no continente. É uma esperança para que os jovens possam participar de forma igualmente decisiva como aconteceu com os nossos pais no passado da Luta de Libertação Nacional.
É a nossa África Insubmissa na nova ordem mundial, mas igualmente atenta às sinergias e complementaridade tão necessárias entre os diferentes países. É a nossa África Insubmissa que deve saber tirar o máximo proveito dos seus talentos. É a nossa África insubmissa que consiga realizar e fazer acontecer o que fica bonito em papéis como a Agenda África 2063.
Tendo a lanterna, precisamos de acender a luz e caminhar, saindo das trevas e do abismo.
Em conversa com:
Augusta Conchiglia-Jornalista e Fotógrafa Italiana
Episódio# 7 - "África Insubmissa"
África Insubmissa- Cristianismo, poder e Estado na sociedade pós-colonial foi escrito pelo cientista político, filósofo e intelectual camaronês Achille Mbembe, Doutor em História pela Universidade de Sorbonne e diplomado em Ciência Política pelo Institut d’études Politiques.
O autor possui como principais tópicos de pesquisa a História africana, os estudos pós-coloniais e as políticas sociais conferindo o esteio de uma nova abordagem epistemológica sobre África.
É este também o olhar do Presidente de Cabo-Verde, José Maria Neves, que em declarações exclusivas para essa coluna, no quadro do podcast com o mesmo nome, participou de uma reflexão sobre o continente africano, nos nossos dias, muito marcados já por um olhar pós-pandemia e porque não também dos efeitos da guerra na Europa.
José Maria Neves não tem dúvidas: África tem de se transformar num actor internacional relevante, mas mesmo que dependa de um árduo trabalho de casa a ser feito. Como quem diz, impõe-se melhorias ao nível da governação com a adopção de instituições e políticas económicas inclusivas.
A nossa conversa no podcast tem outros, neste caso particular, outras participações. Falo da jornalista Augusta Conchiglia e da socióloga Sheila Khan, qualquer uma delas com um olhar muito particular sobre as sociedades pós-coloniais, evitando um olhar manietado pelo dualismo do afropessimismo e do afro-optimismo. Sheila Khan traz-nos uma ferramenta muito útil para esse efeito: vigilância realista.
E a realidade do continente africano continua a ser marcado por substanciais desafios no plano social, político, económico e até cultural.
Claramente, há um factor de comum preocupação que tem a ver com a dimensão humana, mais do que o olhar do reservatório de recursos como tentam agora nos impor nestes tempos em que nos tornam como alternativa de recursos. Se a dimensão de recursos deve atender à necessidade de acrescentar valor, aumentar a produção e criar auto suficiência, a dimensão humana vive ainda embrenhada em enormes desafios. Desde logo, uma nova esperança, não utópica mas fundada no real para evitar os fluxos de migração tão assustadores e perturbadores pelo vazio social e económico que geram no continente. É uma esperança para que os jovens possam participar de forma igualmente decisiva como aconteceu com os nossos pais no passado da Luta de Libertação Nacional.
É a nossa África Insubmissa na nova ordem mundial, mas igualmente atenta às sinergias e complementaridade tão necessárias entre os diferentes países. É a nossa África Insubmissa que deve saber tirar o máximo proveito dos seus talentos. É a nossa África insubmissa que consiga realizar e fazer acontecer o que fica bonito em papéis como a Agenda África 2063.
Tendo a lanterna, precisamos de acender a luz e caminhar, saindo das trevas e do abismo.
Em conversa com os convidados;
Sheila Khan-Socióloga, docente e Investigadora Moçambicana
Augusta Conchiglia-Jornalista e Fotógrafa Italiana
José Maria Neves-Presidente de Cabo Verde
Episodio# 6 - Sejamos todos feministas
Nos últimos dias, nas redes sociais, sem perceber muito bem como ou porquê, o tema do momento tornou-se a extravagância, se não mesmo uma qualquer outra filia de foro psiquiátrico, que justifica o comportamento sexual escabroso de alguns indivíduos, supostamente dos Emirados Árabes Unidos, envolvendo concidadãs nossas, além de outras nacionalidades.
No essencial, as raparigas são levadas de Angola, fundamentalmente para o Dubai, onde, a troco de alguns milhares de dólares, se envolvem em orgias com final estranho e patológico, que as leva a ingerirem fezes e urinas dos seus acompanhantes de aventuras sexuais escatológicas. Uma ignominia que não é só moral, é absolutamente física e psicológica.
Ao ouvir e ao ler todas as histórias que surgiram, não podemos deixar de criticar a ganância e a facilidade de espírito com que as nossas “irmãs” se deixam levar, seja aqui, no Dubai ou noutras paragens. É manifestação clara de prostituição, e sobre a qual vale a pena um dia nos debruçarmos sobre a sua liberalização, ou não.
Para já, o que me deixa verdadeiramente preocupado é que a mulher angolana, como aconteceu durante largos anos com a mulher brasileira, esteja a ser vista de forma estereotipada, como um puro objecto de deleite sexual.
De resto, essa postura entre nós não é nova, embora raramente abordada em público.
Outrossim, sinal dessa coisificação da mulher, não obstante a beleza que se lhe possa apontar, para além de outras virtudes físicas e espirituais, ao nível da Sociologia da Comunicação, um exemplo clássico e objecto de crítica é a forma como a mulher é (ou era?) tratada ao nível da publicidade, com destaque para as campanhas de cervejas e carros.
Todo esse escândalo ocorre num momento igualmente curioso. A plataforma Netflix tem no topo das suas audiências, um pouco por todo o mundo, uma série de origem colombiana, designada “The Marked Heart” (Coração Marcado). É um retrato arrasador do tráfico de seres humanos e comportamento das redes de traficantes, o seu impacto do ponto de vista da destruição das famílias das vítimas ou ainda a forma velada, cruel e criminosa como actuam. É, sem dúvidas, um negócio abjecto e que em nada fica a dever ao que vemos acontecer agora no Dubai, onde não há coração ou razão, só corpo e desejo sórdido.
A forma como as histórias aparecem descritas revelam um traço comportamental assustador das pessoas envolvidas que olham para as mulheres não apenas como objectos de prazer, ao qual não dão sequer algum valor, o que é perturbador uma vez que entra em contradição com os nossos valores africanos. Para nós, nem mesmo a prostituta merece desprezo. A prostituta é tão mulher como outra e merece os mesmos direitos e tratamento de quem quer que seja, principalmente dos seus clientes que deveriam, era expectável, dar valor ao seu objecto, mas não é isso que acontece nestas histórias do Dubai, porque inebriados pelos seus dólares acreditam que tudo podem, e com todas.
Além da condenação social, é importante que os órgãos de investigação, e porque não mesmo diplomáticos, se envolvam na história no sentido de repor a verdade e a dignidade das pessoas envolvidas, combatendo de forma enérgica esse “tráfico”. Não há liberdade que possa justificar esse tratamento. Pelo contrário, a liberdade aqui é meramente instrumental. Porque se nada for feito também somos cúmplices desta rede criminosa.
Entretanto, deixo claro e não gostaria que quem quer que fosse identificasse no que escrevo juízos morais ou uma atitude moralista, mas, antes, um exercício de cidadania, que vale o que vale, mas que nos convoca a todos a pensar no que, enquanto sociedade, andamos a fazer com as nossas raparigas. Como, enquanto sociedade, somos tão incapazes de as proteger, até de si mesmas.
Entretanto, assusta-me o silêncio de instituições públicas e organizações sociais que se dedicam a defesa dos direitos das mulheres. Independentemente da agenda dessas organizações, é importante, como apela a icónica escritora nigeriana Ngozi Chimamanda, que “sejamos todos feministas!”.
Episodio# 5 - Em Democracia não há Heróis
Nas últimas semanas, dediquei uma atenção especial às eleições em França, onde o Presidente Emanuel Macron surpreendeu todos e acabou por ser reeleito, na reedição da segunda volta das eleições passadas de 2017. A sua eleição ocorre num momento muito particular para a França, a Europa e o Mundo. Da França, salta a vista o facto do País encontrar-se verdadeiramente fracturado face o ascendente da extrema-Direita, tal qual o facto de estarem às portas as eleições legislativas e o risco prenunciado duma coabitação seja com um Primeiro-ministro da esquerda seja com um da extrema-direito, fazendo fé nos resultados das eleições presidenciais.
Para a Europa, a eleição de Macron é uma boa notícia por causa do duplo leadership com a Alemanha, mas continua muito evidente um risco cada vez maior da sua desestabilização (para não falarmos em desagregação), agravado com o evoluir da guerra na Ucrânia, ou como lhe chamam alguns analistas, a confrontação entre a Rússia e a NATO tendo como palco a Ucrânia, uma vez que as sanções e a resposta da Rússia para o fornecimento de gás colocam em causa alguns dos fundamentos da União Europeia. Basta vermos a postura da Alemanha, Austria, Bulgária e vários outros que viram-se forçados a ceder a exigência da Gazprom.
Portanto, a guerra da Ucrânia é um sinal da insustentabilidade da ordem política e económica mundial como lhe víamos até pouco tempo. Mas, como é óbvio, do meu ponto de vista pelo menos, não coloca necessariamente em causa o sistema democrático enquanto forma de representação política e do poder do Estado.
Vale por isso, uma reflexão também sobre o evoluir da democracia, ou das democracias, em África, se partirmos do principio que os Estados Africanos apresentam diferentes estágios de maturidade histórica e democrática, sendo certo que é um imperativo cada vez maior a observação da realidade histórica e cultural dos países de modo a que possam encontrar soluções que se coadunam com isso mesmo. Não necessariamente do pretexto de alguns poderes para se autoproclamarem perenes a pretexto de questões culturais.
Outro tema que tem vindo a suscitar uma forte reflexão sobre a maturidade democrática dos países africanos, relacionando-o com o desenvolvimento económico e social, refere-se ao que alguns pensar ser uma boa solução para os países africanos, olhando grandemente para o exemplo do Ruanda e quiçá da Etiópia, com a introdução de um contrassenso “bondoso autoritarismo” e como uma etapa que conduziria aos novos estágios de maturidade de democrática. A inspiração desse modelo reside, como escrevem os autores do livro Democracy Works – Rewiring Politics Africa´s Advantage” na Singapura e Malásia. Sobre este último, notam os autores:
“Quando o Primeiro-Ministro da Malásia, Mahatir Mohamed, notou em 1992 que a `estabilidade do autoritarismo´, como ele próprio designou, possibilitou a prosperidade, enquanto a democracia trouxe o caos e aumentou a miséria, ele não poderia imaginar que o mesmo sistema fosse responsável por devolvê-lo ao poder aos 92 anos em 2018. Apesar do entusiasmo recorrente pelo autoritarismo como modelo para fazer as coisas, o tipo de `ditador benigno´ que não é corrupto, mas eficiente, que mantém uma benevolência paternalista mas admirável, quase nunca existe”. No fundo, a linha de fronteira para amordaçar as liberdades é quase sempre ténue, se não mesmo inexistente.
Por isso também, no estágio actual das democracias africanas é muito importante não olharmos apenas para as eleições e o polémico tema das alternâncias e o exemplo de partidos ou líderes políticos que outrora estiveram na oposição mas quando poder agiram de forma completamente contrária. Veja-se os casos de Abdloulaie Wade, Alpha Condé e Boni Yayi.
O que é mais importante, do meu ponto de vista, é que se consigam instituições representativas, que possam dar espaço às liberdades individuais, onde impere o primado da Lei (cega e justa) e onde os ciclos de quatro ou cinco anos obriguem os governos a dar resposta aos verdadeiros problemas, resolvendo-os de forma perene e sustentável de modo que não haja constantes recomeços ou recuos, tão caros também entre nós.
No fundo, o que se espera é que a democracia, a liberdade e a inclusão permitam-nos adoptar melhores estruturas e melhores infra-estruturas, elevando desse modo a qualidade de vida das populações, resolvendo de forma muito particular o que é básico para a humanidade hoje – água, luz, estradas, escolas e assistência médica condigna. O Estado democrático dos nossos dias, tenha a cor que tiver, tem de dar resposta, como de resto vemos suceder em alguns países já como o Ghana, Maurícias, África do Sul e ou Quénia, de acordo com o ranking da The Economist Intelligence Unit.
Impressões Digitais: Episódio #4 em conversa com Mauro Sérgio
A edição n.4 das Impressões Digitais traz uma conversa com Mauro Sérgio Francisco, fotografo, engenheiro electrónico e empreendedor.
O pretexto da conversa é o dia da juventude e uma ocasião para um olhar sobre o sentido resiliente e batalhador dos jovens angolanos. Fala-se também sobre empreendedorismo, particularmente sobre as startups em Angola, com foco na questão do seu financiamento. E a conversa « saltita » sobre outros tópicos relacionados com os interesses dos jovens hoje como a formação, o conflito de gerações, o sonho da casa própria, entre outros. Boa escuta!
Tópicos(s): Africell, AGT, BNA, Cibersegurança, Ministério das Finanças, Movicel, Unitel
Episódio#3 - Bandeira número um: ainda o combate à corrupção
No momento em que escrevo esta crónica, é claro para mim que o tema do dia é o das eleições presidenciais em França, onde o Presidente Emanuel Macron concorre à sua própria sucessão e, assim, obter dos franceses um segundo quinquénio. Tudo indica que Macron vai à segunda volta com Marine Le Pen, agora não mais a única candidata da extrema-direita francesa, pois tem ao lado o polémico escritor e jornalista Eric Zemour.
Pela segunda vez, tudo indica que os dois, Macron e Le Pen, voltarão a encontrar-se na segunda volta e, aí sim, poderemos ter uma disputa com maior entusiasmo. Não há até aqui certezas quanto à vitória de Macron na segunda volta, embora se diga que ele fará campanha verdadeiramente nessa fase, tal como as manifestações de apoio dos demais concorrentes e forças políticas possam fazer a diferença em prol de um ou doutro candidato.
Tout court, vale dar nota ao facto de as negociações de paz para o fim do conflito entre a Rússia e a Ucrânia prosseguirem nos últimos dias, o que não fez cessar o soar das armas e a destruição que se assiste dolorosamente em várias cidades da Ucrânia e o aumento do número de refugiados por toda a Europa e em direcção também à própria Rússia.
Tudo isso ocorre num ano de importantes eleições em vários países africanos também. No Senegal e no Congo estão previstas eleições legislativas que terão impacto nas do próximo ano. As coisas terão um tom diferente nas eleições presidenciais no Quénia onde, recentemente, o Presidente Uhruru Kenyatta manifestou o seu apoio ao seu antigo adversário Raila Odinga, afastando-se assim do seu Vice-Presidente, William Ruto, inicialmente apontado como o seu sucessor. Ainda assim, Ruto irá avançar com a sua candidatura de forma autónoma.
Se Kenyatta não se pode recandidatar a um terceiro mandato por força da Constituição, e aqui vamos sentindo a verdadeira viragem na ordem democrática da nova geração de líderes africanos que resistem, felizmente, qualquer tentação de mudança constitucional que lhe seja favorável para terceiros ou infinitos mandatos, a verdade é que outras eleições aguardadas com grande expectativa terão lugar no nosso país.
Em Angola, a disputa parece clara entre João Lourenço, candidato à reeleição e Adalberto da Costa Júnior pelo lado da UNITA ou de uma eventual coligação de partidos, se for este o desfecho que ninguém sabe do que será a polémica «Frente Patriótica».
João Lourenço e o seu histórico MPLA lançaram já o mote, com a abertura oficial da pré-campanha, ocorrida na província do Cunene, onde o seu Governo dá mostras de resolver em definitivo o bicudo problema da seca sazonal que assola aquela região, com a construção do nóvel, importante e longo canal do Cafu, com represas, que poderá assim transformar a paisagem da região – se for também feito um investimento maior na agricultura – e evitarem-se mais mortes de pessoas e do gado por causa da severa seca que amiúde os vai atormentando.
Mas, da sua intervenção na pré-campanha ressalto aqui a exaltação dos feitos e impactos do que tem sido o combate à corrupção. Podemos muitas vezes questionar alguns aspectos da forma como esse combate à corrupção é feito, mas há claramente o mérito de não olharmos para a questão de forma impávida e serena, como outrora, limitando-se aos discursos condenatórios. Há um conjunto de iniciativas em curso, ora pedagógicas, ora sancionatórias, que visam debelar ou pelo menos minimizar a corrupção no nosso seio e em diferentes formatos, tendo como fim último a moralização da sociedade. Não aceitarmos nem normalizarmos o que é anormal.
E quando o Estado tem vontade e capacidade de operar esse combate, evita-se o fluxo indevido de capitais, o que no linguajar comum significa evita-se o desvio de fundos públicos, sendo que os resultados vão saltando à vista de todos. Como escrevera recentemente, não reconhecer é pecado (Sic!).
São resultados que ocorrem num ambiente de escassez. Ou seja, apesar do comportamento do preço do petróleo nos últimos dias, estivemos longe de navegar na fartura dos números do passado. O apoio externo está cada vez mais caro, competitivo e difícil e precisamos de começar a fazer contas com o pouco que temos. E essas contas, tenho repetido, passam também por prestarmos uma atenção especial ao tema da densidade demográfica. Do planeamento familiar à educação.
Tópicos(s): Canal de Cafu, Cunene, Eleições Congo 2022, Eleições França 2022, Eleições Gerais 2022, Eleições Quênia 2022, Emmanuel Macron, Frente Patriótica Unida, IGAI, João Lourenço, Marine Le Pen, MPLA, PGR, Pré-campanha 2022, UNITA
Episódio#2 - 20 anos de paz em Angola
20 anos de paz. E os próximos 20 anos, o que queremos de nós?
Adebayo Vunge
Em 1990, a morte de um meu irmão, alterou em definitivo o lustro da minha
família. Teria na altura os seus 22 anos de idade. Tinha sido tropa desde os
seus dezoito anos, não obstante todas as condições para obter o regime de
excepção. Dois dos meus irmãos já estavam na tropa e ele seria, portanto, o
terceiro enquadrado militarmente. Outra razão para o seu regime de excepção
era o facto de ser estudante da faculdade de engenharia. Nem isso o livrou.
Uma terceira razão, era o facto de ser professor de matemática no Nzinga
Mbandi. Sem dúvidas, o Titi era um génio. Era incrivelmente bom em tudo o
que fazia. No futebol era um craque, tendo jogado e se distinguido nos
«caçulinhas da bola». Pintava e desenhava como ninguém. Os números eram
a sua paixão.
Mas o Titi acabou desertando e emigrou para Portugal e de lá, pouco tempo
depois, recebemos um fatídico telefonema da sua morte que abalou a todos,
especialmente o meu Pai.
Trago essa história trágica, entre outras que se contam nas famílias, dos filhos
que voltavam feridos quando não mortos porque a dor da guerra esteve
presente em todas as famílias de Angola. De uma ou doutra forma, todos
sofremos. E a dor foi a única que não teve lados. Não acredito que seja
exagerado afirmar que todas as famílias em Angola perderam ao longo dos 37
anos de guerra pelo menos um ente querido, seja em que circunstâncias fosse.
A guerra, portanto, levou consigo muitos valiosos quadros do nosso País, ao
mesmo tempo que nos deixou um fardo de destruição incomensurável.
Com a paz, deixamos de assistir as rusgas, o recolher, o cativeiro. O espectro
de guerra está cada vez mais distante e, por isso, vinte anos depois,
precisamos dar espaço aos “generais da paz”, como lhe chamou o Presidente
João Lourenço durante a sua campanha em 2017. Os generais da paz são
todas e todos os jovens de mérito que dão o seu melhor em prol do País,
materializando o sagrado principio de John Kenedy: não pergunte o que o seu
País pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer pelo seu País.
Essa é para mim a expressão máxima do patriotismo. A nossa predisposição
em fazer, como diriam os religiosos, em edificar, eu prefiro a expressão em
transformar. Mas essa transformação só irá acontecer se todos investirmos um
pouco de nós na educação. Como diria Paulo Freire, precisamos que a nossa a
educação seja libertadora, das questões cívicas às científicas e artísticas.
Reina por ai algum obscurantismo e anarquia. Só isso explica os kupapatas em
todo o País a andarem em sentido contrário ante o olhar silencioso (vencida
pelo cansaço) da polícia nacional. Só isso explica o vandalismo dos bens
públicos. Isso explica a vontade de todos pretenderem aumentos salariais
colossais quando o País não está a gerar riqueza, se considerarmos os dados
do PIB. Isso explica a ganância e elevada especulação de preços que se
regista no nosso País, tornando-nos “incompreensivelmente” num dos países
mais caros do mundo.
Os próximos vinte anos, com “os generais da paz”, devem ser dedicados a um
investimento massivo na educação formal. Não para termos muitos licenciados
apenas, mas para termos gente formada e que possa contribuir de forma
significativa com o seu saber e com o seu saber fazer para que, mais do que a
doutoromania, possamos ter uma geração altamente competente e competitiva.
O calar das armas retirou-nos a dor e o sofrimento de ver os nossos irmãos
partir. O calar das armas tirou-nos a dor e o sofrimento de ver os nossos
irmãos voltar da frente de combate entre a vida e a morte, alguns amputados e
outros simplesmente perdidos porque os seus familiares perderam o seu rasto
e vivem décadas sem qualquer informação sobre o seu paradeiro, após terem
sido levado por um tropa incauto e movido numa guerra que nem ele mesmo
saberia dizer as razões de fundo.
Portanto, o que todos esperamos, passados vinte anos de paz, de
reconciliação e acima de tudo de reconstrução nacional, é que os próximos
vinte anos sejam de um investimento profundo nas dimensões do capital
humano. Com estes pilares poderemos falar em desenvolvimento sustentável,
apoiado em gente com saber e com saber fazer. Que possamos em definitivo
seguir o caminho da Malásia ou Noruega, abandonando toda a megalomania e
nos concentrando em resolver gradual e de forma consistente os nossos
pequenos, mas bicudos problemas. Não podemos estar entre um passo
adiante e dois atrás.
Depois da independência, a paz é, sem sombra de dúvidas, a maior conquista
do Povo Angolano. Não devemos esconder o que se passou. Devemos superar
os traumas e evitar que alguma vez mais venhamos a assistir o que vimos
acontecer em Angola, de forma alternada, entre 1975 e 2022. Festejemos a
nossa paz!
BOCA
Os próximos vinte anos, com “os generais da paz”, devem ser dedicados a um
investimento massivo na educação formal. Não para termos muitos licenciados
apenas, mas para termos gente formada e que possa contribuir de forma
significativa com o seu saber e com o seu saber fazer para que, mais do que a
doutoromania, possamos ter uma geração altamente competente e competitiva.
Uma edição com participação de Tiago Costa.
Episodio# 1 - A maka de Sanza-Pombo
Evitar novos Sanza-Pombo
« Parece que o passatempo preferido do Homem, ao longo da história, é matar o seu vizinho », assim começa a nota final do excelente livro de Milan Rados « Mundo e Comunicação », com uma breve viagem sobre os grandes eventos e momentos da história política contemporânea, marcados essencialmente pela presença constante do conflito.
Ainda hoje, quando olhamos ao que se passa entre nós e também ao que se passa co mundo, a tónica do conflito está sempre presente. Para não irmos longe, chamo atenção para a Guiné-Bissau, Moçambique ou ainda o Sahel. Obviamente não podemos ignorar a mediática guerra entre a Rússia e a Ucrânia, tendo por trás uma disputa que olha fundamentalmente para os elementos do território bem como a busca pelo poder político.
É isso que vai me deixando com alguma preocupação. Nos últimos dias, tivemos um incidente político absolutamente indisculpavel ou indefensável. Já não importa quem fez ou quem provocou. A violência é condenável e ponto. Há um campo das liberdades individuais que não pode ser condicionada – essa violência não só gera violência como no final do dia pretende condicionar os outros – como também é relevante dizer que a liberdade exige responsabilidade. Precisamos preparar as pessoas para aprenderem a viver e a conviver num espaço de absoluta liberdade onde ao mesmo tempo respeita-se a liberdade do outro.
Ademais, num momento tão sensível como esse de pre-campanha eleitoral, onde os partidos políticos começam a olear a sua máquina para a disputa, é também importante que os partidos que concorrem verdadeiramente ao poder, falo do MPLA e UNITA, precisam abraçar o diálogo e a sã convivência, fazendo-nos perceber que essa disputa política é feita com elevação em prol do bem comum e devemos cultivar sempre o princípio da inclusão. Quem ganha não pode deixar de ouvir mas quem perde deve aceitar a sua condição e não funcionar como elemento de bloqueio para a governação. Como escreveu o Gustavo Costa, « as eleições não são a vida ou a morte » ou ainda, « com ou sem a Unita no poder, com ou sem o MPLA na oposição, depois de Agosto a vida continua ».
Ora, os incidentes de Sanza-Pombo são graves mas não devem servir para diabolizar ninguém na midia, antes o mote para um tratamento pautado pelo rigor jornalístico, o mesmo que nos exige um tratamento mais decente as forças da oposição e sociedade civil em toda a midia. Hoje, como em toda a hora, devemos apenas seguir a ditadura da objectividade, do facto jornalístico e da separação fina entre a opinião e a verdade. Façamos um esforço nesse sentido!
Os incidentes de Sanza-Pombo fazem-me destapar factos de que não nos podemos orgulhar. Os incidentes de Sanza-Pombo trazem à baila um certo radicalismo político que em nada ajuda a unidade e a reconciliação nacional. Os incidentes de Sanza-Pombo fazer acirrar ódios inúteis, não me espantaria que tal ocorra, naquela localidade entre pessoas que até são parentes. Os incidentes de Sanza-Pombo fazem-me perceber o quanto determinados políticos são ocos e cegos em causas e obsessão desmedida pelo poder, ignorando as lições recentes da história. Em definitivo, não se conquista eleitorado com radicalismos e violência. Isso apenas afugenta.
Mas as lições de Sanza-Pombo fazem-me finalmente recordar Nelson Mandela e os seus ensinamentos do Ubuntu, visto tanto numa abordagem de princípio filosófico quanto de uma ética social. Por isso, a sociedade é sustentada pelos pilares do respeito, da solidariedade, da importância das alianças e do relacionamento das pessoas, umas com as outras. Uma pessoa com ubuntu tem consciência de que é afectada quando seus semelhantes são diminuídos, oprimidos. Portanto, as pessoas devem saber que o mundo não é uma ilha: “Eu sou porque nós somos”. Eu sou humano, e a natureza humana implica compaixão, partilha, respeito, empatia e unidade.
Se assim é, como compreender e aceitar que a política possa criar em nos um fosso tão grande que nos leve a encarar o outro, um irmão, como um inimigo. E por isso, apesar da visão contrária que alguns hoje colocam, aqui está a grandeza de Mandela. A sua compaixão em nome de um interesse superior.
Precisamos cultivar isso em nós. Evitar novos Sanza-Pombo ou, como quem diz, não nos deixarmos instrumentalizar por políticos ou paixões políticas.