Episódio #15 - Capital humano e flagelo social

Capital Humano e flagelo social

Retomo o discurso da veneranda juíza conselheira e presidente do Tribunal Constitucional para abraçar a ideia de uma Angola que se constitua numa “prazerosa realidade até para o mais humilde dos angolanos”. Sem dúvida, é uma ideia forte que nos deveria perseguir a todos. Lutar para que as nossas populações deixem de viver na indigência deverá ser o drive, como defende o «Eme», no seu Programa Maior.

Por isso, quando falamos na valorização do angolano estamos a pensar na capacidade e nas iniciativas que devem ser gizadas para que possamos ter um mínimo de dignidade para todos os angolanos. Aqui reside a vital importância de programas como o Kwenda que visam transferir recursos para as pessoas, especialmente naquelas comunidades mais carenciadas.

É também vital que a implementação do Kwenda possa dar o salto que permita que o emprego e a renda, tal qual a educação sejam os verdadeiros elevadores sociais. Por isso, consideramos que só iremos retirar as pessoas da pobreza quando estas tiverem capacidade de desenvolver actividades que proporcionem o seu próprio sustento. Num primeiro momento, damos o peixe, mas é fundamental que as pessoas aprendam a pescar. E, como é obvio, estamos a falar mais uma vez da educação.

Não é o que parece comum quando ouvimos as exigências educativas das grandes cidades. Distorcemos e criamos na sociedade muitos equívocos que nos levam a prestar maior atenção ao Ensino Superior (ainda assim de má qualidade) do que a base. Parece por isso evidente, cada dia mais, que é importante avançar com a formação técnico-profissional, com a formação média e acima de tudo com uma formação de base bastante robusta e de qualidade para todos os cidadãos. Uma formação de que dê ao individuo ferramentas para que tenha um raciocínio lógico. Que saiba aritmética básica. Que saiba falar e escrever correctamente em Português, numa língua Bantu e numa outra língua como Inglês, Francês ou Mandarim.

O mais humilde dos angolanos precisa de ter acesso ao Sistema de Ensino sem grandes estresses e preocupações. Percebermos todos que o lugar da criança é na escola e nos envergonharmos das estatísticas que mostram o número de crianças fora da escola. Mas ainda assim agirmos para combater esse fenómeno e onde a saída pode estar numa velha fórmula, ou seja, nem que para isso tenhamos de voltar ao velho sistema de três turnos nas escolas primárias.

Fico satisfeito, porque hoje já muitos concordam com a minha velha tese: o Estado não está a conseguir acompanhar a dinâmica demográfica. Por isso, é importante repensar, avaliar, ponderar e desenhar novos modelos que nos permitam chegar ao tamanho ideal da população, fazendo-o de forma pensada e estratégica para que isso não resulte noutros problemas. O dividendo demográfico, ao contrário do que sucede hoje, tem de nos ser favorável.

O planeamento e o sentido estratégico do crescimento da população está também muito ligado ao próprio planeamento e sentido estratégico do crescimento económico. Voltamos a crescer. Como podemos voltar a gerar actividades que nos ajudem a empregar os jovens angolanos em todos os sectores da economia? Mas deixo outra provocação: Será mesmo normal que as big-five da consultoria em Angola continuem a ser dominadas por estrangeiros em toda a sua estrutura directiva a tal ponto que fazemos festa quando um angolano é promovido à partner nessas empresas? Será mesmo normal que grande parte dos bancos sejam “controlados” por comissões executivas dominadas por estrangeiros? Não estranha por isso que os bancos sejam altamente lucrativos mas obedecem a lógica de repatriamento de dividendos e não a disponibilização de recursos para a economia nacional…

De resto, enquanto não investirmos fortemente na educação teremos um flagelo social e os próprios cidadãos no lugar de contribuir para a edificação estarão a contribuir para a destruição. É essa a ideia que me vem quando ouço notícias muito tristes como o número de acidentes nas nossas estradas – não se pode dizer que é apenas decorrente do mau estado das estradas. O grau de consciência e responsabilidade deveria ser maior. E quando falo em condutores penso também nos kupapatas. Estão mesmo habilitados para não perguntar licenciados?

O nosso flagelo social é visível no roubo de cabos dos postes de iluminação públicas das cidades e principais estradas, sendo o caso mais aberrante e flagrante ou caricato o do largo 1º de Maio em Luanda ou ainda a recente notícia do roubo dos cabos de iluminação do aeroporto do Uíge. Já não me refiro ao fracasso do policiamento, mas o quanto os próprios cidadãos acabam por auto-mutilar o país.

O nosso flagelo social está no vandalismo dos cabos de fibra óptica que levam as comunicações para várias zonas do país ou ainda no vandalismo que é a destruição de equipamentos públicos como o partir janelas dos comboios.

Mas o nosso flagelo social está também nas imagens degradantes de alguns cidadãos a “catar” resíduos nas lixeiras e contentores, ora para encontrar restos de comida para enganar o estômago, ora também para retirar latas e plásticos para venda aos grupos que hoje se ocupam do negócio da reciclagem, quando poderiam ser encontrados outros mecanismos de recolha mais dignificantes.

Portanto, o flagelo social só pode ser invertido com um elevado envolvimento dos populares na busca de soluções que sejam sustentadas. O flagelo social só pode ser invertido com uma educação verdadeiramente libertadora onde as crianças percebam desde pequeno o valor da solidariedade, da higiene, da nutrição, do respeito pelas instituições, tal qual o temor a Deus. O flagelo deve dar lugar ao capital humano e tornar os angolanos motores do desenvolvimento e não obstáculos, por muito que nos custe admitir.

Data de Emissão: 04-11-2022 às 06:00
Género(s): Entrevista
 
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