Episodio# 5 - Em Democracia não há Heróis

Nas últimas semanas, dediquei uma atenção especial às eleições em França, onde o Presidente Emanuel Macron surpreendeu todos e acabou por ser reeleito, na reedição da segunda volta das eleições passadas de 2017. A sua eleição ocorre num momento muito particular para a França, a Europa e o Mundo. Da França, salta a vista o facto do País encontrar-se verdadeiramente fracturado face o ascendente da extrema-Direita, tal qual o facto de estarem às portas as eleições legislativas e o risco prenunciado duma coabitação seja com um Primeiro-ministro da esquerda seja com um da extrema-direito, fazendo fé nos resultados das eleições presidenciais. 

Para a Europa, a eleição de Macron é uma boa notícia por causa do duplo leadership com a Alemanha, mas continua muito evidente um risco cada vez maior da sua desestabilização (para não falarmos em desagregação), agravado com o evoluir da guerra na Ucrânia, ou como lhe chamam alguns analistas, a confrontação entre a Rússia e a NATO tendo como palco a Ucrânia, uma vez que as sanções e a resposta da Rússia para o fornecimento de gás colocam em causa alguns dos fundamentos da União Europeia. Basta vermos a postura da Alemanha, Austria, Bulgária e vários outros que viram-se forçados a ceder a exigência da Gazprom. 

Portanto, a guerra da Ucrânia é um sinal da insustentabilidade da ordem política e económica mundial como lhe víamos até pouco tempo. Mas, como é óbvio, do meu ponto de vista pelo menos, não coloca necessariamente em causa o sistema democrático enquanto forma de representação política e do poder do Estado.

Vale por isso, uma reflexão também sobre o evoluir da democracia, ou das democracias, em África, se partirmos do principio que os Estados Africanos apresentam diferentes estágios de maturidade histórica e democrática, sendo certo que é um imperativo cada vez maior a observação da realidade histórica e cultural dos países de modo a que possam encontrar soluções que se coadunam com isso mesmo. Não necessariamente do pretexto de alguns poderes para se autoproclamarem perenes a pretexto de questões culturais.

Outro tema que tem vindo a suscitar uma forte reflexão sobre a maturidade democrática dos países africanos, relacionando-o com o desenvolvimento económico e social, refere-se ao que alguns pensar ser uma boa solução para os países africanos, olhando grandemente para o exemplo do Ruanda e quiçá da Etiópia, com a introdução de um contrassenso “bondoso autoritarismo” e como uma etapa que conduziria aos novos estágios de maturidade de democrática. A inspiração desse modelo reside, como escrevem os autores do livro Democracy Works – Rewiring Politics Africa´s Advantage” na Singapura e Malásia. Sobre este último, notam os autores:

“Quando o Primeiro-Ministro da Malásia, Mahatir Mohamed, notou em 1992 que a `estabilidade do autoritarismo´, como ele próprio designou, possibilitou a prosperidade, enquanto a democracia trouxe o caos e aumentou a miséria, ele não poderia imaginar que o mesmo sistema fosse responsável por devolvê-lo ao poder aos 92 anos em 2018. Apesar do entusiasmo recorrente pelo autoritarismo como modelo para fazer as coisas, o tipo de `ditador benigno´ que não é corrupto, mas eficiente, que mantém uma benevolência paternalista mas admirável, quase nunca existe”. No fundo, a linha de fronteira para amordaçar as liberdades é quase sempre ténue, se não mesmo inexistente.

Por isso também, no estágio actual das democracias africanas é muito importante não olharmos apenas para as eleições e o polémico tema das alternâncias e o exemplo de partidos ou líderes políticos que outrora estiveram na oposição mas quando poder agiram de forma completamente contrária. Veja-se os casos de Abdloulaie Wade, Alpha Condé e Boni Yayi. 

O que é mais importante, do meu ponto de vista, é que se consigam instituições representativas, que possam dar espaço às liberdades individuais, onde impere o primado da Lei (cega e justa) e onde os ciclos de quatro ou cinco anos obriguem os governos a dar resposta aos verdadeiros problemas, resolvendo-os de forma perene e sustentável de modo que não haja constantes recomeços ou recuos, tão caros também entre nós. 

No fundo, o que se espera é que a democracia, a liberdade e a inclusão permitam-nos adoptar melhores estruturas e melhores infra-estruturas, elevando desse modo a qualidade de vida das populações, resolvendo de forma muito particular o que é básico para a humanidade hoje – água, luz, estradas, escolas e assistência médica condigna. O Estado democrático dos nossos dias, tenha a cor que tiver, tem de dar resposta, como de resto vemos suceder em alguns países já como o Ghana, Maurícias, África do Sul e ou Quénia, de acordo com o ranking da The Economist Intelligence Unit. 

Data de Emissão: 03-05-2022 às 00:00
Género(s): Comentário, Opinião
Tópicos(s): Jornal de Angola
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