Reginaldo Silva: O desempenho dos dois órgãos mais importantes da comunicação social, a saber: TPA e TVZimbo.

Na passada sexta-feira (30/09) estive na Ecclésia a falar um bocado da campanha eleitoral com o José de Belém a propósito do relatório que elaborei, enquanto membro da ERCA, sobre o desempenho dos dois órgãos mais importantes da comunicação social, a saber: TPA e TVZimbo.
Já fiz chegar o relatório à CNE.
Espero que o recebam e que lhe dêem o melhor tratamento.
Nas minhas contas, fui o último a endereçar este tipo de correspondência àquela instituição.

PS- Transcrevo aqui o conteúdo da carta que fiz chegar à CNE.

Ao
Presidente da Comissão Nacional Eleitoral
(CNE)
LUANDA

As melhores saudações.

Em anexo junto para a apreciação do órgão que dirige, um relatório sobre observação eleitoral da minha exclusiva autoria e responsabilidade, enquanto cidadão e jornalista, mas também enquanto membro da Entidade Reguladora da Comunicação Social de Angola (ERCA) que diante do Parlamento no acto do seu empossamento, já lá vão cinco anos, jurou defender a Constituição e a Lei deste país.
Foi em nome deste juramento e da faculdade que a lei confere à CNE para credenciar observadores a título individual, que meti mãos à obra, após a ERCA se ter demitido completamente da suas responsabilidades durante a Campanha Eleitoral, por razões que só o seu Presidente saberá explicar, numa omissão que contou com a cumplicidade dos restantes membros da Entidade.
Tendo em vista um melhor acompanhamento da campanha eleitoral ao nível dos “média”, a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) bem podia ter solicitado formalmente o apoio da ERCA.
Uma das suas competências permite-lhe solicitar esta colaboração para os seus membros a entidades públicas e privadas sempre que necessário, no exercício das suas funções.
Importa aqui recordar que o extinto Conselho Nacional da Comunicação Social (CNCS) do qual a ERCA é herdeira, já teve por direito um representante na CNE.
A legislação eleitoral foi posteriormente alterada tendo este lugar sido suprimido.
Se o assunto tivesse sido abordado em tempo oportuno, a ERCA também podia ter solicitado para os seus membros a título individual o estatuto de observadores nacionais, tendo em conta que uma das incidências dessa observação tem a ver com o acesso e a utilização dos meios de comunicação social para efeitos eleitorais.
Ao nível das suas competências legais, a ERCA pode sempre apreciar por iniciativa própria os comportamentos susceptíveis de configurar violação de quaisquer normas legais e regulamentares aplicáveis aos órgãos de comunicação social, adoptando as providências adequadas.
A legislação da campanha eleitoral tem pelo menos cinco normas que são de cumprimento obrigatório por parte dos média/jornalistas.
Apesar de não me ter credenciado oficialmente, por razões que atribuo apenas à minha ignorância da lei, entendo que, como membro da ERCA, assiste-me legitimidade bastante para subscrever o referido relatório que deixo em vossas mãos.
Atenciosamente,

Luanda aos 19 de Setembro 2022

Eleições Gerais 2022/Relatório de uma observação eleitoral especial
Por: Reginaldo Silva, Jornalista e Membro do Conselho Directivo da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA).
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Esta observação mais do que especial foi sobretudo muito específica, porque concentrada apenas no desempenho de uma parte da média pública durante a campanha eleitoral e nos dias que se seguiram até à publicação em Diário da República dos resultados oficiais e definitivos apurados pela CNE após o Tribunal Constitucional ter dado por concluído o processo de contencioso desencadeado pela UNITA e a CASA-CE.
Por razões de ordem prática, decidimos orientar exclusivamente esta observação para as transmissões dos canais televisivos nacionais TPA e Zimbo, ambos afectos ao sector público da comunicação social, depois do segundo ter sido intervencionado pelo Estado em 2020.
Também pesou nesta opção o compromisso constitucional do Estado em assegurar a existência e o funcionamento independente e qualitativamente competitivo de um serviço público de rádio e de televisão (art.44 da CRA).
Pesou e muito, porque entendemos que este serviço público se for gerido fora do controlo de qualquer estratégia político-partidária é a melhor garantia que os cidadãos têm de estar informados correctamente sobre o país e o mundo.

Neste âmbito todos são iguais, tendo em conta a existência da comunicação social privada, mas há de facto uns que são mais iguais do que os outros, ou seja, a quem a sociedade tem toda a legitimidade de exigir muito mais em matéria de qualidade do jornalismo que lá se faz.
A gastar tanto dinheiro dos contribuintes, não é aceitável que este sector público continue a servir politicamente apenas uma parte da nossa sociedade e a atacar tão ferozmente a outra parte que não se identifica com o MPLA e o seu Executivo, sobretudo nos períodos eleitorais, que é o momento mais crítico da vida de qualquer regime democrático, onde a igualdade de tratamento dos partidos tem de ser efectivamente garantida por todos os agentes eleitorais, entre públicos e privados.
Os dois canais quer pela cobertura nacional que conseguem alcançar, quer pela importância/impacto da mensagem áudio-visual são de longe aqueles que mais têm capacidade de, em Angola, influenciar politicamente o eleitorado, justificando-se por isso plenamente a nossa opção, sem menosprezo pelo papel dos restantes protagonistas mediáticos no contexto angolano.
Por outro lado, o facto de termos trabalhado sozinhos nesta empreitada voluntária, não nos deixava margem operacional para muito mais, se efectivamente quiséssemos realmente observar alguma matéria de facto que nos permitisse tirar conclusões o mais objectivas possíveis.
Na base desta abordagem especial esteve antes de mais o que a lei da própria observação eleitoral consagra como sendo uma das suas incidências e que tem a ver com o “acesso e a utilização dos meios de comunicação social para efeitos eleitorais” (art.4°/Lei N°11/12, de 22 de Março).
Depois, é a própria Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais (Lei N°36/11 de 21 de Dezembro) que define claramente como é que a comunicação social e os jornalistas se devem comportar durante os 30 dias da Campanha Eleitoral.
Durante o período da campanha eleitoral, os órgãos que realizam e promovam programas, de sua iniciativa, relacionados com as eleições devem assegurar sempre os princípios do contraditório e da igualdade de tratamento.
Os órgãos de comunicação social públicos e privados e seus agentes (entenda-se jornalistas mas não só) devem agir com rigor, profissionalismo e isenção em relação aos actos das campanhas eleitorais.
É proibido a qualquer órgão de comunicação social posicionar-se a favor de qualquer partido político, coligação de partidos ou candidatos concorrentes nas matérias que publicar.
Foi pois tendo em conta estas balizas que orientamos a nossa observação.
Na verdade estas balizas são totalmente pacíficas pois não criam qualquer conflito com a ética/deontologia jornalísticas conforme elas sempre estiveram definidas na legislação vigente no país.
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Conclusões
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As violações do espírito e da letra da legislação eleitoral sobre a forma como a TPA e a Zimbo cobriram a campanha eleitoral foram tantas e tão grandes que se tivéssemos que inventariá-las e apenas de forma descritiva iríamos precisar certamente de um “livro branco” com pelo menos duas centenas de páginas para podermos de dar conta de todas elas.
Não há exagero nenhum nesta quantificação, a ter em conta o volumoso espaço mediático que representam 30 dias consecutivos de programação informativa, para ficarmos só por esta.
Desde muito cedo ficou claro para o relator que as coisas não estavam a acontecer por acaso ou como consequência dos habituais excessos de zelo de directores e editores.
Ficou claro logo nos primeiros dias da campanha que nestas eleições foi elaborado um plano estratégico de cobertura mediática destinado a favorecer de forma ostensiva o MPLA e o seu candidato JLo em detrimento de todos os outros concorrentes, mas especialmente orientado contra o principal partido da Oposição e seu candidato ACJ.
O aspecto mais visível e quantificável da violação do princípio do tratamento igual foi a transmissão integral e em directo de todos os comícios do candidato do MPLA pelas duas televisões, o que não aconteceu com actos idênticos dos restantes cabeças de lista dos outros concorrentes.
Importa referir que neste quesito a Zimbo não teve exactamente o mesmo comportamento da TPA pois transmitiu em directo alguns comícios de ACJ mas nunca de forma integral.
A TPA só mesmo nos últimos dias transmitiu em directo um ou dois discursos de ACJ mas sempre de forma parcial, tendo até num deles registado-se problemas com a qualidade do som.
Na questão da transmissão em directo não há como dar a volta ao texto da lei, tão ostensiva foi a discriminação praticada.
Na cobertura dos actos de campanha tendo como referência os espaços dedicados aos concorrentes nos diferentes serviços noticiosos, a desigualdade foi igualmente brutal a favor do MPLA e do seu candidato.
O relator fez e teve acesso a algumas monitorias de telejornais com a contabilização exacta da distribuição dos tempos pelos concorrentes, sendo o resultado sempre na ordem dos >80% para a actividade do MPLA.
Nesta avaliação a desproporção agravou-se ainda mais com a cobertura feita às actividades do Executivo propriamente dito.
O uso complementar da actividade do governo como arma de campanha, do ponto de vista político chegou a ser mais eficaz que os recursos usados directamente na campanha pelo MPLA.
O caso do novo comboio de Luanda que entrou em funcionamento é paradigmático da forma como este recurso foi usado.
O comboio até podia entrar em funcionamento. Nada contra.
O problema foi a exaustiva cobertura mediática que se deu ao “acontecimento”. Um dos passageiros entrevistados fez claramente um apelo ao voto.
Houve efectivamente uma campanha eleitoral paralela através deste tipo de cobertura, num período em que o Executivo através de vários dos seus departamentos e agências multiplicou as suas actividades especialmente dirigidas à satisfação de necessidades sociais de vários tipos.
O espírito da lei diz que o governo durante a campanha eleitoral está proibido de fazer inaugurações, mas a letra não reza exactamente a mesma coisa.
A letra diz que apenas “os candidatos e as candidaturas estão probidos de realizar actos de inauguração de obras públicas ou privadas”.
É aqui que entra a famosa hermenêutica, num processo que devia ter como primeira instância de recurso a CNE, que no âmbito da cobertura mediática da campanha eleitoral nunca fez qualquer pronunciamento.
Se ainda houvesse alguma dúvida quanto à existência de um plano estratégico de gestão da comunicação social pública especialmente concebido para favorecer o MPLA,
a forma como os espaços de opinião e análise foram preenchidos e políticamente orientados, veio efectivamente confirmar o que já era óbvio.
Foi no final da terceira semana da campanha eleitoral que elegi os referidos espaços como sendo aqueles que mais violaram o espírito e a letra da legislação vigente no que toca aos limites que a comunicação social deve observar na cobertura da campanha eleitoral.
Mais do que um limite, o conteúdo da norma que obriga a observação do contraditório traduz a substância do jornalismo de referência pelo que a mesma parece-nos ser absolutamente pacífica e em perfeita harmonia com os fundamentos da própria liberdade de imprensa.
Com algumas excepções pontuais, tenho para mim, salvo melhor opinião, que no conjunto destes dois poderosos canais, apenas um comentarista residente, que é o Luís Jimbo e apenas uma vez por semana, aos domingos na TPA, fez realmente a diferença, assumindo-se de forma inequívoca como sendo realmente um comentarista independente.
De uma forma geral todos os outros comentaristas residentes foram ostensivamente favoráveis ao candidato incumbente, não escondendo sequer a pouca consideração que lhes mereceram os restantes candidatos, tratando-os não raras vezes com uma indisfarçável hostilidade, ao ponto de termos assistido na TPA e na Zimbo a verdadeiros ataques pessoais contra o cabeça de lista da UNITA que ultrapassaram todos os limites da própria liberdade de expressão.
Do outro lado da barricada não vimos ninguém, nem pouco mais ou menos, que tivesse contribuído para o equilíbrio deste plano tão inclinado.
Mais do que espaços de opinião/análise, estes programas acabaram por ser verdadeiros tempos de antena, que só beneficiaram um candidato acentuando ainda mais a desigualdade da cobertura jornalística nas duas televisões.
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Recomendações
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Que a próxima revisão da legislação eleitoral contemple a inclusão na CNE de um representante a ser indicado pela ERCA e por consenso obrigatório, cuja intervenção seria especialmente dedicada ao acompanhamento do desempenho dos médias durante a campanha eleitoral.
Que à ERCA seja atribuída competência específica o mais abrangente possivel, para fiscalizar o desempenho dos médias durante a campanha eleitoral que permita a Entidade agir em conformidade e em tempo real.
Que sejam densificados na própria legislação eleitoral conceitos como tratamento igual e observação do contraditório.
Com a excepção dos discursos de abertura e de fecho da campanha eleitoral, que a média pública seja interdita de transmitir em directo e na integra os comícios de qualquer candidato, devendo todas as intervenções serem objecto do mesmo tratamento jornalístico profissional, que podem ou não incluir apontamentos em directo de acordo com as opções editoriais de cada órgão.
Que os programas de opinião/análise dedicados especificamente à campanha eleitoral tenham obrigatoriamente em conta a observância do princípio do contraditório na definição dos convidados.
Que durante a campanha eleitoral a média pública observe a maior reserva no tratamento de actividades/iniciativas que possam potencialmente beneficiar ou prejudicar politicamente qualquer um dos candidatos.

Data de Emissão: 04-10-2022 às 17:00
Género(s): Comentário
 
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