O ENFERMEIRO DO BAIRRO
 

O ENFERMEIRO DO BAIRRO

Pum, pum, pum (SOM DE ALGUÉM A BATER A PORTA).

– Belita, pergunta ainda para ver se é o teu marido – avançou o senhor Machado, que era vizinho da Belita e único enfermeiro no bairro Popular.

Só Machado entrava e saía às noites na casa da Belita, jovem bonita, que nessa altura o marido se encontrava a estudar na União Soviética há mais de QUATRO anos, até esse dia que regressou ao país sem avisar.

– Belita, lhe pergunta bem se é mesmo ele.

– Tá parece é ele.

Sô Machado estava encurralado, suava em todas as partes do corpo. Para piorar a casa só tinha uma entrada, a única janela dava para o quintal de um vizinho que tinha mais de DEZ cães, nada amistosos depois da MEIA NOITE.

Já com cólicas sô Machado insiste – esses gajos que estudam na União Soviética, mesmo que ficam engenheiro, também são FAPLA. Him, him, him, – começa a chorar.

– Belita, tô sentir parece num tô pisar bem no chão. Vou morré mesmo?

 

Belita encontra uma solução rápida. – Machado entra no tamborão.

– Ai, Belita! Tamborão tem água.

– Machado não seja teimoso, entra no tamborão.

– Belita, mô Deujo, eu num sei respirar “imbaixo” d’água.

– Machado, vou abrir a porta.

 Sem saída, só Machado entra no tamborão.

Belita abriu a porta, deu as boas-vindas que uma boa esposa dá ao marido depois de QUATRO anos longe um do outro e foram matar outras saudades no quarto.

Passadas DUAS horas, sô Machado na aflição, começou a miar para amante ir abrir a porta.

– Miau, miau, miau, miau-miau, miau-miau. – e Silêncio! Nem a Belita, nem o marido.

 

Aflito, ganha coragem abre a porta com muito cuidado para ninguém ouvir a respiração dele, e porque algumas pessoas já começavam a circular, corre e atira-se instintivamente naquela vala que faz a fronteira entre o Golfe e o Bairro Popular, aí junto as bombas da SONANGOL.

Minutos depois – Socorro, socorro, socorro. Bandidos, socorro – Sô Machado aos gritos e a correr em direcção a casa.     

– Man Machado é o que? (a mulher lhe tratava por man Machado). – “Vortas” ansim a “chera” mal parece dormiste na “fonsi”?

– Maria, assim que sai ontem as 22h para ir fazer banco no Maria Pia, vi só já a minha trás, três moços. Assustei já só, zuca, um ki pau da cabeça. Desmaiei já mesmo ai, naquela água da vala até acordar a pouco.

– Man Machado, estas a gozar comigo?

– Maria, vou te “mintir” porque?

– Então pessoa que lhe arrebentam com um ki pau na cabeça, não sangra?!

– Se calhar tenho emorragia interna.

A mulher lhe deu uma olhada, amarrou o pano, pegou nos produtos e foi vender no mercado do bairro Popular, com certeza de que o marido tinha apanhado uma bebedeira.

Mais de um ano depois, a Belita deu à luz uma criança muito parecida com as filhas do sô Machado. Sabem o que fez fez o marido?

 

JOSÉ OTCHINHELO

(03.08.2021)

 

Data de Emissão: 03-08-2021 às 10:00
Género(s): Crônica
 

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