Edição de 14 de Janeiro de 2022
Enquanto o petróleo está esta semana a caminho dos 90 dólares por barril, os nossos líderes decidem acirrar e regar a crise política dos últimos anos com os seus derivados em vez de estarmos a ver com clareza os caminhos para o país sair da crise económica e social onde anda imerso aproveitando essa alta que deixou para trás os anos negros de barril a 30 e 40 dólares…
A greve dos taxistas, uma greve anunciada, convocada por associações reconhecidas e com objectivos reivindicativos claros e justos para o sector que salva a transportação nacional na ausência de um sistema de transportes públicos funcional, foi aproveitada para desvios de viés político que culminaram com prisões provavelmente arbitrárias e uma sala cheia de confusão belicista em horário nobre da televisão pública. Isto sendo que na semana anterior ‘o chefe’, numa demonstração da clarividência (que tanto atribuíam ao chefe anterior), falou em queimas de pneus e eis que pouco tempo depois vêem-se incêndios nas ruas… Logo depois deita-se mais combustível: “foi a oposição que queimou”, “isto é um acto de terrorismo”… Enfim o melhor comentário que li sobre esta tristeza veio do sociólogo Paulo Inglês quando disse: “parece que queimar pneus na rua enfurece mais do que ver crianças de três anos um dia inteiro sem comer nada… é atrofia política” – tudo dito.
O jornalista José Gama, a propósito dos acontecimentos da semana passada, escreveu um texto que vale a pena ler a lembrar um episódio de 1998 quando a Embaixada de Angola na Zâmbia sofreu um “ataque de terrorismo”, que terá sido também atribuído à UNITA, mas que as investigações – que se fazem e se devem fazer antes de se tirar conclusões sérias e responsáveis sobre qualquer evento que ponha em perigo o público – investigações feitas pelas autoridades zambianas revelaram diferente. Antes do atentado, que aconteceu num domingo e, portanto, num dia que teria sempre menos pessoal, um grupo de angolanos teria visitado o país usando identidades e motivações falsas, que levaram as autoridades zambianas a concluir que os elementos seriam da segurança de Estado angolana. Isto sendo que os funcionários da embaixada também retiraram as suas crianças da escola sugerindo uma preparação para algum evento que teriam conhecimento estar para acontecer. Esses factores levaram as autoridades da Zâmbia a concluir que o grupo estaria associado ao atentado terrorista.
Voltando ao presente, não faltam comentadores jornalistas e afins a questionarem-se sobre como foi possível a vandalização do Comité do MPLA a poucos metros de uma esquadra de polícia e sem que se vissem as intervenções musculadas a que a PN tende, sempre que há manifestações em Angola.
É verdade que a polícia é quase sempre criticada por excessos nas reacções a manifestações, excessos que já resultaram em mortes, mas também é verdade que ‘quando a esmola é demais o pobre desconfia’ e que a quase ausência de polícia a meio daquela vandalização se torna, por experiência, algo questionável.
Estes acontecimentos e sobretudo o tom inflamatório que as comunicações das nossas lideranças assumiram lembraram-me o livro do jornalista de investigação e escritor Eric Frattini intitulado “Manipulação da verdade – operações de falsa bandeira” que comecei e não terminei de ler porque provavelmente me distraí com outro qualquer entretanto, e que fui resgatar à pilha de livros adiados a propósito dos acontecimentos da semana que passou.
Então resumindo: as “operações de falsa bandeira” são operações encobertas destinadas a culpar terceiros com o objectivo de ganhar vantagem sobre eles através da reacção que é possível gerar de toda e qualquer acção. E estas operações de falsa bandeira são variadas, pode-se ler no prólogo do livro que passo a citar: “desde um atentado terrorista até um atentado efectuado por forças militares, passando por actos de sabotagem como incêndios destruição de fábricas” etc… soa familiar não?
O prólogo explica também que os encarregados de realizar estas operações de falsa bandeira são geralmente os serviços secretos, pessoal geralmente muito qualificado e especializado, que são sempre uma componente fundamental destas operações…
E agora pergunto eu, que país teríamos se esta competência esta inteligência dos serviços de segurança estivesse de facto ao serviço do país, em vez de ao serviço de um partido ou de um homem ou dois? Que país teríamos se o investimento sistemático em manipulação da verdade e da opinião pública fosse canalizado para a investigação científica, para a educação, para a saúde ou para os transportes públicos que bem precisam?
Todas as nações investem e devem investir nos seus serviços de inteligência, mas as vantagens de umas sobre as outras é precisamente esse comprometimento destas estruturas, não com pessoas ou com partidos que nos desgraça, mas com as suas respectivas nações.
Diz o livro que as operações de falsa bandeira são tão antigas e tão frequentes como a guerra que também sempre existiu desde que há registos históricos. Um dos exemplos mais notórios foi o incêndio de dois terços da capital do império romano, ao que tudo indica pela mão do imperador Nero que apontou depois o dedo fazendo recair a culpa sobre a comunidade cristã que foi torturada e morta aos montes. Em 1933 Hitler organizou um atentado contra si próprio para justificar a suspensão de direitos constitucionais. Em 1955 a Turquia executou um atentado contra o consulado do seu país na Grécia para justificar a violência contra os gregos, entre 1950 e 1970 o FBI americano levou a cabo atos violentos para culpar activistas políticos e assim justificar a repressão aos mesmos.
As nossas autoridades falam em “acções bem planeadas e que aproveitaram a greve dos taxistas”, mas resta perguntar “quem planeou” e sobretudo quem ganha mais com essas acções de vandalismo cirúrgicas? Para quem é que geram simpatia? O que não há dúvidas e que é perigoso é que apesar da ‘falsa bandeira’ muitas vezes as operações de falsa bandeira fazem vítimas bem reais, pessoas que perdem a vida apanhadas no meio do que não são mais do que encenações com objectivos políticos.
O livro de que falava documenta 24 outras operações de falsa bandeira que atestam que o acto de culpar os outos países, organizações ou grupos tem sido uma constante em qualquer luta pelo poder, partindo do princípio que a melhor maneira de motivar uma população não é através da razão, mas das emoções. Vemos essa sobreposição da emoção sobre a razão entre nós a muitos níveis. A evocação constante do medo gerado pelas memorias de guerra é um desses níveis, mas mesmo a nível individual há outros exemplos. Os ataques pessoais aos mensageiros de qualquer mensagem que saia do normativo são também normalmente ausentes de argumentos de razão que discutam a mensagem em si.
Francisco Viana em resposta às declarações do presidente quando disse que ‘os empresários nacionais são uma vergonha’, disse em entrevista ao Valor Económico que é a favor da alternância democrática e tornou-se acto continuo vítima de ataques de cariz pessoal que em nada discutem o evidente desgaste da governação decana a que fez referência. Provavelmente porque esse desgaste, que é natural ao fim de quase 50 anos com tanta promessa básica em falta, é indiscutível, obrigando assim a atacar o mensageiro por falta de melhor defesa. Mas Viana resumiu a problemática ‘que estamos com ela’ com uma pergunta, que sendo este espaço de perguntas vale revisitar, tendo também em conta a tendência para o incendiário que se vai revelando ultimamente: “o meu pai pode ser muito bom a conduzir, mas a minha mãe e irmãos também sabem conduzir. Porque é que só ele tem direito a conduzir quando que ele até está cansado, velho, ou bebeu e ainda vai conduzir e vamos todos partir a cara na parede?
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