Economia sem makas: Fórum de Cooperação China-África e a ausência de João Lourenço
As relações entre a China e Angola continuam a esfriar. Agora, João Lourenço trocou as voltas ao Governo chinês e enviou o ministro das Relações Exteriores, Téte António, ao Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), que se realiza entre 4 e 6 de setembro em Pequim.
As autoridades chinesas contavam com a presença de João Lourenço e foram surpreendidas com a decisão do chefe de Estado de delegar a presença institucional de Angola neste fórum no ministro das Relações Exteriores. “Não era isso que estava previsto e os chineses estão furiosos”, adianta ao Negócios fonte conhecedora do processo.
João Lourenço visitou a China em março deste ano e, nessa ocasião, encontrou-se com o seu homólogo Xi Jinping. Segundo o que o próprio Jornal de Angola noticiou na altura, aceitou o convite que lhe foi então endereçado para participar no FOCAC. Sete meses volvidos, deu o dito por não dito e enviou Téte António a Pequim.
Em contrapartida, marcam presença na FOCAC os presidentes da África do Sul, Cyril Ramaphosa, e da República Democrática do Congo, Félix Tshisekedi, entre muitos outros
A dependência económica de Angola face à China, no plano teórico, justificaria uma participação ao mais alto nível, mas as relações bilaterais têm-se vindo a deteriorar, sobretudo depois da aproximação de João Lourenço aos Estados Unidos e de Pequim não ter suavizado os prazos e os montantes do pagamento da dívida de Angola à China.
Além disso, os chineses estão a incentivar a construção de infraestruturas concorrentes ao corredor do Lobito, uma opção que desagrada a Luanda.
Angola, segundo dados divulgados esta segunda-feira pela agência Lusa, é o maior parceiro económico da China na África subsariana, tendo recebido entre 2000 e 2002 mais de 45 mil milhões de dólares (40,2 mil milhões de euros) em empréstimos e financiamentos do país asiático para 258 projetos, principalmente na energia e transportes.
Já a dívida de Angola à China equivale a cerca de 40% de toda a dívida externa, num montante a rondar os 17 mil milhões de dólares, adiantou no início do verão a ministra das Finanças, Vera Daves de Sousa.
Duas versões sobre a mesma dívida
No rescaldo da visita à China, em março passado, João Lourenço afirmou ter conseguido “desbloquear” em grande medida os “constrangimentos apresentados por Angola relativamente aos compromissos com bancos e instituições credoras chinesas” e anunciou que tinham sido negociadas “medidas de alívio que não prejudicam os interesses de nenhuma das partes”.
Todavia, os chineses acabaram por dizer o contrário, afastando qualquer renegociação da dívida. Para piorar as coisas, ao que consta, Xi Jinping terá mesmo um “puxão de orelhas” a Lourenço precisamente a propósito do dossiê da dívida.
Uma das interrogações que se coloca nas relações entre a China e os países africanos tem precisamente a ver com os contornos dos empréstimos realizados por Pequim.
Jacques Nell, diretor da consultora Oxford Economics, citado pela agência Lusa, lembra as críticas por causa da confidencialidade dos contratos financeiros.
Estes contratos, sublinha a agência, dão azo a especulações sobre as condições prejudiciais e fomentam a ideia de uma “armadilha da dívida”, em que os fluxos financeiros eram acompanhados de influência geopolítica e económica nesses países e de represálias duras em caso de incumprimento financeiro.
“As cláusulas de confidencialidade introduzem alguma incerteza sobre as modalidades do alívio da dívida, especialmente porque já há vários processos de reestruturação em curso, o que demonstra a dualidade do papel da China em África – por um lado, os chineses oferecem alívio da dívida e fazem investimentos, o que é muito necessário, mas por outro lado os termos da maior parte dos negócios estão envoltos em secretismo, o que só por si é criticável”, conclui Jacques Nell.
Esta edição do FOCAC, subordinada ao tema “Unir as Mãos para avançar a modernização e construir uma comunidade de alto nível sino-africana com um futuro partilhado”, apresenta-se como “uma plataforma para um diálogo coletivo, unindo a China com a Comissão da União Africana e com os 53 países africanos que mantêm relações diplomáticas com a China”, enfatiza o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi.