E AGORA, CHICO?
E AGORA, CHICO?
O Chico era um jovem que vivia no bairro Catambor que, para alguns moradores, é um condomínio de alta segurança e, para outros, Maianga. Não uma Maianga “qualquer”: Cassequel do Buraco, Calemba, Prenda – não! É Maianga da cidade e, por isso, para muitos, o Catambor é cidade e pronto!
Continuando, o Chico era um bom rapaz. Crente de uma Igreja Evangélica desde antes mesmo de lhe caírem os dentes de leite. Tal como o seu Catambor, o Chico não era um menino qualquer. Era inteligente, simpático, solícito, bem – parecido, uma criança perfeita que toda mãe queria e gostaria ver sair da sua barriga.
Aos VINTE E TRÊS anos já era licenciado. Era advogado e, como o seu Catambor, também não era um advogado qualquer: era afamado, falava na rádio, discutia com os mais velhos na televisão e na rádio. Bom moço!
Aos sábados de manhã, no beco, sentados num tronco, o Chico e os amigos tornavam-se especialistas de em tudo. Sabiam de religião, de futebol, de política, de linguística, de saúde, até mesmo de quimbandaria e feitiçaria. Nessas ocasiões, a voz do Chico era “a voz de deus”.
As conversas iam e viam, até que alguém do grupo lembrou que devia ir ao mercado dos Correios comprar uma peça para a sua viatura. Logo O grupo se disponibilizou em acompanhá-lo.
Já no mercado, o Chico de súbito, diz aos amigos que aí (no mercado dos correios) também vendem peças de avião. O grupo riu-se dele e o ignorou.
Compraram a peça e antes mesmo de saírem do mercado, o Chico volta a insistir na tese de que ali também vendem peças de avião. Os amigos mais uma vez o ignoraram.
Indignado, o Chico pergunta a um “matucheiro” – Aqui vendem reactor de avião?
– Sim mô cota, vendemos. De boeng, hill ou antenove?
Os amigos imploraram ao Chico a parar com essa brincadeira, mesmo assim ele prossegue:
– Quero um de antenove.
Para o espanto dos cinco, o “matucheiro” apresenta-lhes o tal reactor de avião.
Quando o vendedor deu o preço, o Chico desculpou-se com muita elegância e finúria argumentando que só pretendia provar aos amigos que aí também vendem peças de avião.
Os matucheiros e o dono do reactor atiraram-se logo contra os cinco jovens da “baixa”.
No calor da discussão do compra, não compra, com voz de locutor o Chico diz bem alto, “sabes quem eu só?”.
Segundos depois dessa pergunta, todos assustaram com o barulho de uma tremenda bofetada que o Chico levou sem saberem o tamanho da mão e de onde terá saido.
O Chico desorientado começou a gritar: “tiro, tiro, me atingiram a queima roupa”. Três dos amigos conseguiram fugir, a peça do carro que compraram desapareceu e começou um festival de empurra-empurra e, num abrir e fechar de olhos, o Chico e o amigo já estavam amarrados a um pau e só já de cuecas.
O amigo gritava como cabrito com voz rouca: “mamawéé, mamawéé… e agora, Chico? E agora, Chico? Mamawééé, quem me mandou vir?” – A finúria e a bebedeira desapareceram sem deixar rasto neles.
Minutos depois, os três amigos regressaram, já com a polícia.
Os autores desse acto de violência foram presos em flagrante, acusados de lesão corporal e tentativa de burla já que o tal reactor de avião, afinal era um motor de um camião SCANIA 111.
Sairam do mercado dos Correios bem fufulados e mudos.
Antes de chegarem ao Camtambor, o Chico quebra o silêncio fúnebre da viagem de regresso: “O que acontece em Las Vegas fica em Las Vegas”. A única resposta que se ouviu foi um muchocho torto “daqueles”!
Seguiram em silêncio e nunca mais ninguém viu os amigos do Chico sentados aos sábados naquele beco.
Não sei o que o Chico terá aprendido com a provocação aos matucheiros do mercado dos Correios, mas, tal como o amigo dele, eu também pergunto:
– E agora, Chico?
JOSÉ OTCHINHELO
(03.07.2021)