Crónicas do Otchinhelo: Quando olho nos olhos das pessoas que diariamente se cruzam comigo
Quando olho nos olhos das pessoas que diariamente se cruzam comigo, são poucas as que irradiam o brilho genuino da alma. Vejo nelas um desassocego silencioso.
Quando assisto os telejornais, percebo que as igrejas estão vazias. Quando digo vazias não me refiro a números, nem aos silêncios das confissões, muito menos as orações cantadas ou fervorosas como se estivessem a forçar Deus a ouvi-las. Não.
Quando digo que as igrejas estão vazias, falo da invisibilidade da bondade, do perdão e da caridade entre os adeptos de deus.
O descaso com a dor alheia e o desamparo, espiritual ou material, os pecados muito bem escondidos, me fazem ver que, mais do que igrejas vazias o meu Deus está ferido.
Talvez digas, não, e com razão, mas diante do que a humanidade vive, não tenho como não pensar que o meu Deus esteja ferido.
Não pretendo dar uma catequeze com esse resmungo, muito menos ser Zaqueu, não me esconderei atrás da figueira.
Mas, todas as semanas noticiamos os lobos disfarçados de ovelhas que violam sexualmente crianças, sem dó, nem peidade.
Como me envergonha saber que muitas mulheres são brutalmente espancadas pelos homens que um dia juraram amor por elas!
Como me envergonha não condenar os ateus por causa dos líderes religiosos que vendem deus, pela fé dos inocentes, mostrando claramente a sua incredulidade e preferência ao lucro do que ao connhecimento da Palavra Divina!
A ansia pela riqueza, o quero mais, continua a levar indivíduos a cometerem as maiores barbaridades em nome do dinheiro, destruindo a confiança entre as pessoas.
Por isso, sinto uma aflição, sim, sinto uma aflição sempre que alguém diz que prefere cruzar-se com um leão, do que com um ser humano.
Diante disso e mais alguma coisa, peço silêncio, sim peço silêncio, por que o meu Deus está ferido!
José Otchinhelo
Para desgraça alheia, nem com Noventa Palavras, Luís, o melhor dos nossos detetives, conseguiu decobrir quem é o Lebron James que fez a cesta daquela cabeça naquele contentor de lixo da cidade.
Sim, lixo da cidade.
Não era o nosso lixo, era o lixo deles, talvez por isso, não se importassem com aquela cabeça. Talvez não tivesse valor e pronto, era apenas um resíduo sólido, não reciclável.
O melhor dos poetas, diria que, não se tratou de um caso amoroso como o que levou aquele escritor premiado da CPLP as estepes da Mongólia depois de ter crescido junto a fenda da Tundavala. Não!
Era apenas uma cabeça, como todas as outras cabeças, com ou sem corpo que circulam por Luanda.
Ter sido achada por volta das cinco horas, só reforça a ideia de que as madrugadas são tão fecundas à arte, quanto a própria vida!
Não é atoa que Neto desistiu, sim desistiu de esperar, implorou que todos esperassem por ele, ante o silêncio na aldeia angolana com as várias Joanas Maluca a bisbilhotar o que escondem os contentores de lixo nas madrugadas, ainda mais, lixo sem tronco e membros.
Talvez digam: Foi apenas um acidente como o de Cahito que engravidou a mais linda beldade de um quimbo não imaginário de Wahenga Xito, ou como aquele, dos filhos da peixeira Manana atirados na maiombola pelas amigas desta em nome do pregão, hé peixe, hé peixe, é peixéééé´!
Mas, uma coisa é certa, aquela, não era a cabeça de João Baptista, já que não foi apresentada numa bandeja de prata. Talvez por isso, não tenhamos nos importado com o seu rosto e muito menos para onde ele olhava quando respirou pela última vez.
Termino tão bruscamente como o recital da notícia, sem perguntas, sem culpados, e tal como o José Pedro Benge, eu também digo e com raiva:
– Desliga o mambo!
José Otchinhelo
(05.09.2022)