Economia sem makas: Banco Mundial apoia ou não gestão danosa do Fundo Soberano?

Política de investimento inicial foi mal desenhada e pior implementada, enquanto a gestão ficou marcada pela falta de transparência e actos de corrupção. Desde 2016, fundo acumula um resultado líquido negativo de 269 milhões USD.

Um relatório do Banco Mundial sobre as finanças públicas angolanas, publicado em Fevereiro, destapa mais uma vez os graves problemas de gestão e más práticas que afectam o Fundo Soberano de Angola (FSDEA) desde a sua criação. Se a gestão tivesse adoptado uma estratégia conservadora, com a utilização de aplicações financeiras nos principais índices bolsistas internacionais, assegura o Banco Mundial, a capitalização do FSDEA teria subido de 5.000 milhões USD (a dotação inicial) para 6.500 milhões USD. Desde 2012, o FSDEA foi descapitalizado em cerca de 2.900 milhões USD.

Como referência, o Banco Mundial utiliza o índice S&P 500 (que agrupa os maiores activos cotados na Bolsa de Nova Iorque) para lembrar que os 5.000 milhões USD atribuídos ao FSDEA teriam atingido 6.500 milhões USD em Junho de 2022, mesmo “depois de replicados os levantamentos de fundos que ocorreram em 2019 e 2020”.

“Isto representa um aumento de 31% em relação à dotação original e cerca de três vezes o saldo real do FSDEA de Junho de 2022”, recordam os autores do relatório, que também asseguram que “não é de surpreender que o fundo tenha um desempenho inferior ao dos padrões de referência”. Em Dezembro de 2022, segundo o relatório e contas do FSDEA, auditado pela Ernst & Young (EY), o fundo já só valia cerca de 2.100 milhões USD, ou seja, menos 2.900 milhões USD do que em 2012.

Outro dado significativo, sobretudo quando considerada a visão e os objectivos que deram origem ao FSDEA, é que desde 2016, primeiro exercício auditado disponível publicamente, a instituição apresenta prejuízos acumulados de 269 milhões USD.

Para Neto Costa, economista e antigo ministro da Economia e Planeamento entre Julho de 2019 e Janeiro de 2020, os valores que têm servido para o financiamento do PIIM “foram mobilizados pelo dono do fundo [Estado], correspondendo a um desinvestimento”. “Já as perdas líquidas efectivas, pelo menos até 2017 – quando a gestão parecia mais um “negócio de compadres” – corresponderão, fundamentalmente, às remunerações pagas ao então gestor, líquidas dos ganhos, mais os custos operacionais”, explica.

Segundo o relatório e contas do FSDEA relativo a 2022, a instituição chegou a incorporar um total de 74 empresas (todas praticamente desconhecidas e sem actividade económica visível), entretanto agrupadas na entidade FSDEA International Holding PCC. Até 31 de Dezembro de 2022, 31 processos de liquidação deram entrada nas Maurícias (15 já foram concretizados).

Foram ainda constituídos 17 processos de liquidação em Angola (apenas dois estão concluídos – Kijinga e Ulussu), de acordo com a informação publicada pelo FSDEA. Suspeita-se que este formato operacional, com a criação de inúmeras entidades ligadas entre si, funcionava como veículo para o branqueamento de capitais e corrupção.

As empresas Kijinga e Ulussu, agora extintas, são um exemplo concreto sobre as práticas difusas e a forma como os activos foram sendo geridos pelo FSDEA. Denunciadas pelo portal Maka Angola em 2015, as referidas entidades receberam transferências directas do FSDEA que totalizaram 100 milhões USD, apesar de não apresentarem actividade económica relevante.

Na altura, em resposta às elevadas suspeições e denúncias de corrupção publicadas pelo Maka Angola, o presidente da Quantum Global, a única gestora à época dos activos do fundo, Jean-Claude Bastos de Morais, afirmou de forma lacónica, em comunicado, que “a empresa Kijinga não tem como objecto prestar serviços, mas está focada na criação de empresas na fase de arranque para micro-negócios de empresários angolanos”.

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