O CAPITÃO DAS FAPLA
O CAPITÃO DAS FAPLA
O capitão das FAPLA (assim tratado), foi uma figura da minha infância, que provocou muitos diálogos, muitas teórias de conspiração, muitas dúvidas. No entanto, teve uma vida relampago, já saberão porque!.
O capitão das FAPLA era respeitado, não só pela patente que ostentava, como, também, pelo facto de, na altura, ter sido logístico de um dos quarteis situado aqui em Luanda. Quem é do meu tempo sabe bem o poder que as latarias tinham nos anos 80 e 90!
Mulato, de corpolência invejável, simpático, sempre bem disposto e pronto a ajudar, o capitão das FAPLA era daquelas pessoas que todo o mundo queria tê-lo por perto.
No bairro, os jovens faziam fila à porta da sua casa, todos queriam trabalhar como logístico, já que, na altura, era um dos TRÊS vizinhos que tinha carro, ou seja, a rapaziada em idade militar tinha uma dupla intenção: por um lado, não fazer tropa no Cuito Kwanavale, onde a quitota estava quente e, por outro lado, se fossem logísticos cá, como diz o nosso Tomé Armando, teriam muita tatita com a venda das latarias.
Mas, voltemos ao nosso capitão.
Infelizmente o mesmo descobriu tarde o valor da amizade e do respeito.
O capitão das FAPLA deixou a vaidade lhe subir a cabeça, perdeu o medo e começou a fazer um jogo perigoso com as latas de conserva.
É caso para se dizer que, as vezes alguém se aproxima de mais do precipício, sem se preocupar com a profundidade e nem com o sítio onde coloca os pés!
Ainda que as latarias lhe dessem um poder simbólico no bairro, era importante que o nosso capitão não perdesse de vista os direitos alheios.
Dúvidas ao avesso, as latarias que gamava do quartel, não eram certificado de impunidade perante os direitos dos outros, mas o nosso capitão preferiu caminhar de olhos vendados no cume da vida.
Que a tentação nos bate a porta todos os dias, isso é verdade. Mas, deixar-se mover pela carne enfraquecida pelo que os olhos vêm, é um erro que nem um recruta deve cometer!
O capitão das FAPLA foi apanhado em casa de um jovem, que estava casado há QUATRO meses, a ngombelar a esposa deste.
O coitado do jovem do Libolo, trancou a porta, chamou os vizinhos e mostrou a sujeira do capitão, para o espanto da comunidade que nutria um grande respeito pelo madié das latarias.
Com uma tranquilidade e calma incomuns para a situação, o jovem pediu que o ngombire saisse. Já no quintal, o jovem disse ao capitão que o mesmo só teria TRÊS dias. Foi ao quarto, fez a mala, tinha de ir de emergência ao seu Kwanza – Sul.
Os homens de sangue quente, queriam já que o jovem desse umas baçulas no fingido do logístico. Mas, o mesmo manteve-se sempre calmo e sereno.
O capitão tentou balbuciar algumas palavras que saiam de forma tão envergonhadas, que ninguém percebia, parecia tentar justificar o injustificável perante os escarros da multidão!
Já com a mala na mão, o coitado do jovem voltou a advertir ao capitão: “tens TRÊS dias” e saiu sem falar com mais ninguém.
Todos ficaram atónitos, alguns tentaram pedir explicações, mas o bom jovem nada mais disse, partiu em silêncio para o Libolo.
Naquela noite, um desarranjo intestinal tomou conta do capitão, que não conseguiu sair de casa de manhã para ir trabalhar. Os líquidos malcheirosos saiam-lhe como se fosse água de chafariz novo.
A desenteria durou os precisos TRÊS dias que o jovem do Libolo profetizou. Foi também o dia que ele regressou. A casa do logístico estava apinhada de gente. Gente que ia mostrar solidariedade; gente que ia dar palpites sobre uma medicação eficaz e, até, aquela gente que ia para indicar um bom quimbanda! Epáh, era gente para pau de toda obra em matéria de cura da diarrumba!
Todos esforços não valeram para nada. Até hoje, não sei o que o jovem do Libolo fez, para desgraçar o FAPLA com uma diarreia de TRÊS dias, sem sequer lhe dar tempo de sair da casa de banho!
Se pensam que era tudo, desenganem-se. Tão logo foi declarada a morte, na rua, o bom jovem rematou: “quem também dormiu com a minha mulher, vai seguir o capitão”!
Vários mais velhos começaram a chorar as escondidas, algumas mães de jovens bem compotados foram pedir perdão ao miúdo do Libolo, e segredos muito bem guardados foram reveladas!
Os que não quiseram confessar, correram à igreja da Muxima em busca de protecção; outros foram aos quimbandas para um “banho” contra diarreia; e ainda outros, os finos, foram fazer queixa a polícia que, prontamente, lavou as mãos e disse que não se mete em makas de michordias. Era dizumba grande!
O bairro ficou vazio, durante alguns meses, jovens e senhores evaporaram como se fosse dia de rusga! Aquele miúdo do Libolo meteu o bairro inçarsado.
A partir daquele dia, com pouca idade, percebi que, o que é do outro não é meu, e o que é de todos também não é meu!
JOSÉ OTCHINHELO
(05.10.2021)