Último discurso de José Eduardo dos Santos

José Eduardo dos Santos, cujo nome de batismo é José Eduardo Van Dunen[5] (Luanda, 28 de agosto de 1942[6] – Barcelona, 8 de julho de 2022) foi um político angolano que serviu como Presidente de Angola de 1979 a 2017. Como presidente, José Eduardo dos Santos também foi comandante-em-chefe das Forças Armadas Angolanas (FAA) e presidente do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), o partido que tem governado Angola desde que obteve independência em 1975.[7]

Em 11 de março de 2016, ele anunciou que deixava a carreira política em 2018, ano em que completaria 76 anos.[8] Porém acabou deixando o cargo em setembro de 2017, sendo sucedido por João Lourenço.

Faleceu em 8 de julho de 2022, de doença prolongada, internado nos cuidados intensivos no Centro Médico Teknon em Barcelona-Espanha, aos 79 anos de idade.[9]

Infância

José Eduardo dos Santos nasceu onde hoje é o bairro de Sambizanga em Luanda.[10] É filho de Avelino Eduardo dos Santos, calceteiro[11] e Jacinta José Paulino.[12]

Frequentou a escola primária em Luanda onde também fez o ensino secundário no Liceu Salvador Correia[13][14] que hoje se chama Mutu-ya-Kevela.

Carreira militar

Durante os estudos, José Eduardo dos Santos filiou-se ao MPLA quando este foi constituído em 1958,[15] o que marcou o começo da sua carreira política.

Após a eclosão da luta contra o poder colonial português em 4 de fevereiro de 1961, José Eduardo dos Santos abandonou Angola em novembro desse mesmo ano e passou a coordenar no exílio a atividade da Juventude do MPLA, organismo do qual foi um dos fundadores e durante algum tempo vice-presidente. Eduardo dos Santos partiu para o exílio ao país vizinho República do Congo. Integrou, em 1962, o Exército Popular de Libertação de Angola (EPLA), braço armado do MPLA, e em 1963 foi o primeiro representante do MPLA em Brazavile, capital da República do Congo. Em novembro do mesmo ano, beneficiou de uma bolsa de estudo para o Instituto de Petróleo e Gás de Bacu, na antiga União Soviética, tendo-se licenciado em Engenharia de Petróleos em junho de 1969.[nota 1]

Ainda na URSS, depois de terminados os estudos superiores, frequentou um curso militar de Telecomunicações. Isso o habilitou a exercer, quando voltou para Angola (em 1970), funções nos Serviços de Telecomunicações na 2.ª Região Político-Militar do MPLA, em Cabinda de 1970 a 1974.[16]

Em 1970 Angola ainda era um território Português conhecido como Província Ultramarina de Angola e Eduardo dos Santos desempenhou um papel significativo na luta pela independência de Angola.[17]

Em 1974, foi promovido a sub-comandante do serviço de telecomunicações da segunda região. Ele serviu como representante do MPLA para Jugoslávia, a República Democrática do Congo e a República Popular da China antes de ser eleito para a Comité Central[18] e Politburo do MPLA em Moxico em setembro de 1974.[12]

Percurso político

De 1974 a meados de 1975, José Eduardo dos Santos voltou a desempenhar a função de Representante do MPLA em Brazavile. Em setembro de 1974, numa reunião realizada no Moxico, foi eleito membro do Comité Central e do Bureau Político do MPLA. Em junho de 1975, passou a coordenar o Departamento de Relações Exteriores do MPLA e, cumulativamente, também o Departamento de Saúde do MPLA.

Com a proclamação da Independência de Angola, a 11 de novembro de 1975, foi nomeado ministro das Relações Exteriores. Nesta função, ele desempenhou um papel fundamental na obtenção de reconhecimento diplomático para o governo do MPLA em 1975-76. A MPLA tinha o poder em Luanda, porém o novo governo MPLA enfrentava uma Guerra Civil Angolana com as outras formações políticas; a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA). No Primeiro Congresso do MPLA em dezembro de 1977, Eduardo dos Santos foi reeleito para o Comité Central e o Politburo. Em dezembro de 1978 foi movido do posto de Vice-Primeiro Ministro para Ministro do Planeamento e Desenvolvimento Económico.[12]

 

Dos Santos (Quinto da esquerda) no Portão de Brandemburgo durante visita de Estado de 1981, com oficiais da Alemanha Oriental.

Com a morte do primeiro presidente de Angola, Agostinho Neto, a 10 de setembro de 1979, José Eduardo dos Santos foi eleito Presidente do MPLA a 20 de setembro de 1979 e investido, no dia seguinte, nos cargos de presidente da República Popular de Angola e comandante-em-chefe das FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola). Também foi eleito Presidente da Assembleia do Povo a 9 de novembro de 1980.[12]

Processo de paz

De 1986 a 1992, José Eduardo dos Santos teve um papel de destaque na solução da crise transfronteiriça entre Angola e a África do Sul, que culminaria no repatriamento do contingente cubano, na independência da Namíbia, e na retirada das tropas sul-africanas de Angola.

Presidente dos Santos é considerado um Chefe de Estado moderado, empenhado em manter a paz no país, continuando o processo de reconstrução política e econômica iniciada por seu antecessor.

O maior problema com qual teve que lidar foi o conflito continuo com seu maior rival e movimento de liberação: a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA). UNITA, liderada por Jonas Savimbi e apoiada pela África do Sul e os Estados Unidos, nunca totalmente reconheceu a legitimidade do MPLA como o governo no poder em Angola e provocou vários conflitos armados ao longo dos anos para expressar sua oposição, o que resultou em uma guerra civil de 27 anos que devastou o país e os fundos públicos angolanos.

A guerra teve intervenção estrangeira intensa. Devido ao apoio da União Soviética e Cuba, os Estados Unidos e África do Sul apoiaram UNITA como uma forma de limitar a expansão da influência soviética em África.[19]

Com o fim da Guerra Fria e pressionado pela comunidade internacional, mas simultaneamente a braços com dificuldades económicas internas e a continuação de uma guerrilha de desgaste por parte da UNITA, José Eduardo dos Santos procurou uma solução negociada com a UNITA. Impôs a passagem de Angola para um regime democrático que, baseando-se numa constituição adotada em 1992, permitiu o pluralismo político e a economia de mercado.

Em 29 e 30 de setembro de 1992, após 16 anos de conflito, que matou até 300 mil pessoas, foram realizadas eleições em Angola, sob a supervisão das Nações Unidas.[20]

As eleições para a Assembleia Nacional deram a vitória ao MPLA com maioria absoluta. No entanto, nas eleições presidenciais José Eduardo dos Santos não foi eleito na primeira volta, embora tenha conseguido 49,57% dos votos, contra 40,07% de Jonas Savimbi.[21] De acordo com a constituição vigente, uma segunda volta teria sido indispensável, mas a UNITA não reconheceu os resultados eleitorais, retomando de imediato a Guerra Civil Angolana. Um conflito começou, durante o qual ocorreu o Massacre de Outubro, quando centenas de manifestantes UNITA foram mortos pelas forças MPLA em todo o país, retomou-se assim a Guerra Civil Angolana. Deste modo, José Eduardo dos Santos manteve em funções, mesmo sem legitimidade constitucional.

Em 1993 enquanto UNITA recusava-se desistir do território que ganhou através de batalha, os Estados Unidos, envolvidos na resolução de negociações de paz entre os dois partidos e líderes rivais, a fim de elaborar um acordo de partilha de poder decidiu retirar o seu apoio à UNITA e oficialmente reconheceram o governo do MPLA como órgão dirigente oficial de Angola.[21] Dos Santos dirigiu pessoalmente essa intensa atividade diplomática que culminou no reconhecimento do governo angolano pelos Estados Unidos em 19 de maio de 1993, e a seguir no reconhecimento pela maior parte dos países.[22]

A Guerra Civil Angolana terminou em 2002, com a morte violenta de Jonas Savimbi a 22 de fevereiro e a assinatura dos acordos de paz no dia 4 de abril do mesmo ano, nos quais a UNITA desistiu da luta armada, concordando com a desmobilização dos seus 50 mil militares, ou da sua integração nas Forças Armadas Angolanas,[23] chegando-se deste modo a pôr termo a 27 anos da guerra civil. A paz foi declarada oficialmente em 2 de agosto de 2002.[24]

Na sequência desta decisão, o Conselho de Segurança da ONU reabriu o Escritório das Nações Unidas em Angola e autorizou o estabelecimento da Missão das Nações Unidas em Angola (UNMA), destinada a consolidar a paz no país.[25]

Uma vez que continuou a haver, em Cabinda, uma resistência contra a integração daquele enclave no Estado angolano, José Eduardo dos Santos concluiu a 1 de agosto de 2006 o Memorando de Entendimento para a Paz e Reconciliação na província de Cabinda formalmente assinado pelo ministro da Administração do Território de Angola, Virgílio de Fontes Pereira, e pelo presidente do Fórum Cabindês para o Diálogo (FCD), general António Bento Bembe,[nota 2] no Salão Nobre da Câmara da cidade de Namibe (hoje Moçâmedes), na presença de governantes, políticos e diplomatas acreditados na capital angolana, líderes religiosos e tradicionais, para além de representantes da sociedade civil. Este acordo destinou-se a pôr definitivamente fim à luta armada iniciada em 1975 pela FLEC, com o fim de obter a independência de Cabinda.[26]

 

Dos Santos e o então presidente do Brasil, Lula da Silva, em 2003.

 

Eduardo dos Santos com o presidente russo Dmitry Medvedev durante visita de Estado em Angola 26 de junho 2009

Questões de governança após a guerra civil

Em 2001, dos Santos anunciou que não se candidataria a presidente na próxima eleição, que o próprio indicou que ocorreria em 2002 ou 2003.[27] No entanto, em dezembro de 2003 foi reeleito Presidente do MPLA[28] e desde então não foram realizadas eleições presidenciais, apesar destas serem anunciados para 2006,[29] depois para 2007 e finalmente para 2009.[30] Depois de uma eleição legislativa em 2008 (as primeiras eleições legislativas desde 1992), em que o MPLA venceu com 81,64% dos votos,[31] o partido começou a elaborar uma nova Constituição, que foi introduzida no início de 2010. Nos termos da nova Constituição, o dirigente do partido com mais assentos no Parlamento torna-se automaticamente o presidente do país.

José Eduardo dos Santos supostamente sofreu uma tentativa de assassinato em 24 de outubro de 2010, quando um veículo tentou bloquear o seu carro quando voltava da praia com a família. A escolta presidencial abriu fogo, matando dois indivíduos e recuperando várias armas.[32] O incidente não foi confirmado por nenhuma outra fonte.

Em fevereiro/março de 2011, e depois novamente em setembro de 2011, manifestações públicas foram organizadas em Luanda por jovens angolanos, principalmente através da Internet.[33]

Em inícios de 2010 foi adotada a nova constituição, que abandona eleições presidenciais, introduzindo um mecanismo que prevê a eleição ao cargo de presidente do cabeça de lista do partido político ou coligação de partidos políticos mais votado no quadro das eleições gerais. As próximas eleições legislativas foram agendadas para 2012, altura em que José Eduardo dos Santos indicou Manuel Domingos Vicente como sucessor.[34] Porém, mais tarde voltou atrás, assumindo o estatuto de cabeça-de-lista dos candidatos pelo MPLA.[35]

Contribuição para o desenvolvimento económico

Começando no início dos anos 90, Eduardo dos Santos abandonou progressivamente a ideologia marxista e estabeleceu uma economia liberal de mercado livre em Angola, colocando o país no caminho para se tornar a terceira maior economia da África subsariana[36] depois da África do Sul e Nigéria, o segundo maior produtor de petróleo africano e um dos melhores locais para investimento estrangeiro em África.[37][38]

Em novembro de 2006, dos Santos foi cofundador da Associação dos Países Africanos Produtores de Diamantes (ADPA) uma organização que conta com aproximadamente 20 nações africanas, e com a meta de promover cooperação no mercado e investimento estrangeiro na indústria diamantífera africana.[39]

Controvérsias

José Eduardo dos Santos foi frequentemente associado à grande corrupção e ao desvio de recursos do petróleo, em grande parte proveniente do enclave de Cabinda.[40][41][42] Sua família é detentora de imenso património, que inclui casas nas principais capitais europeias, participações em grandes empresas, holdings em paraísos fiscais e contas bancárias na Suíça – um património acumulado ao longo de décadas de exercício do poder. Seus oponentes o acusam de ignorar as necessidades sociais e económicas de Angola, concentrando seus esforços em acumular riqueza para sua família, ao mesmo tempo em que silencia a oposição ao seu governo.[43]

Em Angola, cerca de 70% da população vive com menos de 2 dólares por dia, enquanto Santos e sua família acumularam uma imensa fortuna, que inclui participações nas principais empresas do país, bem como em grandes empresas estrangeiras.[44]

Santos enriqueceu desde que assumiu o poder, mas acumulou uma enorme quantidade de bens sobretudo durante e depois das guerras civis angolanas. A partir do cessar-fogo, quando grande parte da economia do país foi parcialmente privatizada, ele assumiu o controlo de diversas empresas emergentes e apoiou takeovers de várias outras companhias de exploração de recursos naturais.[45]

Eventualmente o Parlamento de Angola considerou ilegal que o presidente pessoalmente, tivesse participação financeira em empresas. Na sequência, a fortuna de sua filha, Isabel dos Santos, baseada na participação acionária em várias empresas angolanas e estrangeiras, passou a crescer exponencialmente.[46][47] Paralelamente, o governo passou a assumir o controle acionário em empresas que o presidente indiretamente controlava.[45]

Ao mesmo tempo, o orçamento governamental chegou a 69 bilhões de dólares em 2012, graças aos rendimentos proporcionados pelo petróleo, os quais saltaram de 3 bilhões de dólares, em 2002, para 60 bilhões, em 2008.[48] No entanto, segundo o Fundo Monetário Internacional, 32 mil milhões de dólares das receitas de petróleo sumiram dos registos do governo. Afinal, descobriu-se que o dinheiro faltante foi usado em atividades quase fiscais.[45][49]

José Eduardo dos Santos e o regime que representa tornaram-se alvo de protestos políticos por parte dos jovens angolanos, desde fevereiro de 2011. Uma grande manifestação pública realizada em Luanda, no início de setembro de 2011, foi duramente reprimida pela polícia, com dezenas de pessoas detidas e vários manifestantes feridos.[50] A contestação ocorre sob outras formas, inclusive pelo “kuduro” rap e através de redes sociais da Internet.[51]

Em junho de 2016, José Eduardo dos Santos nomeou a filha Isabel dos Santos para as funções de presidente do conselho de administração da petrolífera estatal Sonangol.[52] Um grupo de 12 juristas angolanos apresentou uma providência cautelar para suspender a eficácia da posse da empresária.[52]

Dos Santos esteve hospedado durante os últimos anos da sua vida no bairro de PedralbesBarcelona numa mansão que já foi propriedade de Jordi Pujol.[53][54]

Prémios e reconhecimentos

José Eduardo dos Santos foi eleito o “Homem do Ano 2014” pela revista “Africa World”. Segundo a publicação, a escolha do líder angolano deve-se ao seu contributo para o excelente processo de recuperação económica e democrática de Angola desde o fim da guerra.[55][56] A 8 de maio de 2015, o Presidente angolano foi galardoado com o prémio de boa governação “Meafrica Award”, no Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.[57] O Meafrica Awards é uma organização sem fins lucrativos que distingue personalidades individuais que contribuem na facilitação de investimentos e das relações económicas, para as economias em desenvolvimento.[58]

Data de Emissão: 08-07-2022 às 17:00
Género(s): Discurso
 

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