Episodio# 6 - Sejamos todos feministas
Nos últimos dias, nas redes sociais, sem perceber muito bem como ou porquê, o tema do momento tornou-se a extravagância, se não mesmo uma qualquer outra filia de foro psiquiátrico, que justifica o comportamento sexual escabroso de alguns indivíduos, supostamente dos Emirados Árabes Unidos, envolvendo concidadãs nossas, além de outras nacionalidades.
No essencial, as raparigas são levadas de Angola, fundamentalmente para o Dubai, onde, a troco de alguns milhares de dólares, se envolvem em orgias com final estranho e patológico, que as leva a ingerirem fezes e urinas dos seus acompanhantes de aventuras sexuais escatológicas. Uma ignominia que não é só moral, é absolutamente física e psicológica.
Ao ouvir e ao ler todas as histórias que surgiram, não podemos deixar de criticar a ganância e a facilidade de espírito com que as nossas “irmãs” se deixam levar, seja aqui, no Dubai ou noutras paragens. É manifestação clara de prostituição, e sobre a qual vale a pena um dia nos debruçarmos sobre a sua liberalização, ou não.
Para já, o que me deixa verdadeiramente preocupado é que a mulher angolana, como aconteceu durante largos anos com a mulher brasileira, esteja a ser vista de forma estereotipada, como um puro objecto de deleite sexual.
De resto, essa postura entre nós não é nova, embora raramente abordada em público.
Outrossim, sinal dessa coisificação da mulher, não obstante a beleza que se lhe possa apontar, para além de outras virtudes físicas e espirituais, ao nível da Sociologia da Comunicação, um exemplo clássico e objecto de crítica é a forma como a mulher é (ou era?) tratada ao nível da publicidade, com destaque para as campanhas de cervejas e carros.
Todo esse escândalo ocorre num momento igualmente curioso. A plataforma Netflix tem no topo das suas audiências, um pouco por todo o mundo, uma série de origem colombiana, designada “The Marked Heart” (Coração Marcado). É um retrato arrasador do tráfico de seres humanos e comportamento das redes de traficantes, o seu impacto do ponto de vista da destruição das famílias das vítimas ou ainda a forma velada, cruel e criminosa como actuam. É, sem dúvidas, um negócio abjecto e que em nada fica a dever ao que vemos acontecer agora no Dubai, onde não há coração ou razão, só corpo e desejo sórdido.
A forma como as histórias aparecem descritas revelam um traço comportamental assustador das pessoas envolvidas que olham para as mulheres não apenas como objectos de prazer, ao qual não dão sequer algum valor, o que é perturbador uma vez que entra em contradição com os nossos valores africanos. Para nós, nem mesmo a prostituta merece desprezo. A prostituta é tão mulher como outra e merece os mesmos direitos e tratamento de quem quer que seja, principalmente dos seus clientes que deveriam, era expectável, dar valor ao seu objecto, mas não é isso que acontece nestas histórias do Dubai, porque inebriados pelos seus dólares acreditam que tudo podem, e com todas.
Além da condenação social, é importante que os órgãos de investigação, e porque não mesmo diplomáticos, se envolvam na história no sentido de repor a verdade e a dignidade das pessoas envolvidas, combatendo de forma enérgica esse “tráfico”. Não há liberdade que possa justificar esse tratamento. Pelo contrário, a liberdade aqui é meramente instrumental. Porque se nada for feito também somos cúmplices desta rede criminosa.
Entretanto, deixo claro e não gostaria que quem quer que fosse identificasse no que escrevo juízos morais ou uma atitude moralista, mas, antes, um exercício de cidadania, que vale o que vale, mas que nos convoca a todos a pensar no que, enquanto sociedade, andamos a fazer com as nossas raparigas. Como, enquanto sociedade, somos tão incapazes de as proteger, até de si mesmas.
Entretanto, assusta-me o silêncio de instituições públicas e organizações sociais que se dedicam a defesa dos direitos das mulheres. Independentemente da agenda dessas organizações, é importante, como apela a icónica escritora nigeriana Ngozi Chimamanda, que “sejamos todos feministas!”.