Conversas 4.1, edição com Anthony Portigliatti

Edição com Anthony Portigliatti

A admiração que o norte-americano Anthony Portigliatti diz ter por Angola trouxe-o, em 2016, ao país, aonde regressou mais três vezes, arrastado pela curiosidade de acompanhar o desenvolvimento de um “país que pode fazer coisas maravilhosas, por ter uma enorme potencialidade e pessoas sedentas de conhecimento e inteligentes”. Doutorado em Psicologia, Educação e Administração, Anthony Portigliatti orientou, nas quatro visitas a Angola, a convite de empresas, seminários sobre o “Soar”, uma ferramenta que estuda, com uma “base científica profunda”, os perfis de personalidade.

O que é, afinal, o perfil individual “Soar”?
É uma ferramenta, com uma base científica profunda, que estuda o perfil de personalidade de cada pessoa. O perfil é descoberto através do comportamento de cada indivíduo e da forma como se comunica. Existem quatro estilos de perfil de personalidade cientificamente comprovados: analítico, extrovertido, dominante e paciente.

Aponte, pelo menos, três razões que fazem com que o “Soar” seja um importante recurso para organizações ou indivíduos?
Em todas as equipas de trabalho deve existir um conjunto de pessoas com personalidade diferente, para que o trabalho desenvolvido seja completo, equilibrado e coeso. Os responsáveis das áreas de recrutamento de quadros nas instituições devem contratar pessoas que têm o seu próprio perfil de personalidade. Mas é inteligente que se faça um equilíbrio de personalidades. O analítico tem o poder de coordenar um conjunto de trabalhos, o paciente de ser bom gestor, o extrovertido de cuidar da parte comercial da empresa e o dominante de estabelecer um novo paradigma.

Quem tem maior propensão de ser perfeccionista?
É o analítico, porque está focado em fazer as coisas correctamente. O analítico acha que está sempre a fazer as coisas certas. É muito cauteloso, organizado ao extremo, detalhista e valoriza muito o planeamento. O paciente tende a colocar as necessidades dos outros antes das suas próprias e, às vezes até, prejudica-se a si mesmo. Demonstra capacidade de ouvir os que estão ao seu redor. Prima pela segurança e harmonia, é um óptimo planeador e evita entrar em conflitos. O extrovertido, por ter as emoções à flor da pele, busca sempre por novas ideias e emoções. O dominante precisa de estar no controlo, por demonstrar capacidade de desenvolver habilidades excepcionais. É competitivo, determinado, visionário, gosta de desafios e está sempre à procura da próxima grande ideia e projectos inovadores. As instituições e organizações têm apenas a ganhar se tiverem funcionários com os quatro estilos de perfil de personalidade. O “Soar” é uma ferramenta que tem por finalidade chegar à alma das pessoas.

Como identificar o perfil de uma pessoa numa simples conversa?
É, sim, possível identificar em alguns minutos de perguntas e respostas específicas e poderosas. Mesmo numa simples conversa com o parceiro, é possível descobrir o estado da relação e os motivos que originam brigas.

Uma vez que, por via do perfil “Soar”, se pode fazer uma análise comportamental da pessoa, seria interessante a popularização da ferramenta como método de auto-ajuda para as famílias. Concorda?
Estou plenamente de acordo consigo. Temos recebido o maior número de solicitações de instituições académicas e empresariais, que procuram beber mais do nosso conhecimento em matéria de consultoria, liderança executiva e de treinamento de pessoal e corporativo. Aí está a bênção do “Soar”. Dá também ferramentas aos pais, para conhecerem o perfil de cada filho, de modo a estabelecerem formas de lidar e tratar com cada um. Muitos pais exigem muito dos filhos sem conhe-cê-los bem, uma situação que gera conflitos, em vez de aproximação. É possível também analisar as características de uma esposa e as razões por que defende uma imagem do esposo. O perfil “Soar” permite-nos fazer uma leitura mais abrangente da dinâmica de cada membro de uma família, de uma empresa ou de uma Nação.

Através dos perfis de personalidade pode-se fazer com que as pessoas, sobretudo em organizações, tenham melhor rendimento?
Os líderes de instituições devem perceber, além de gestão, de psicologia, a fim de conhecerem bem os perfis de personalidade de cada um dos subordinados, para que estes sejam colocados nas áreas em que podem render mais e tirar melhor proveito. Os líderes de instituições devem ter ainda conhecimento de como reage cada colaborador a determinadas situações.

As organizações de polícia no mundo podem utilizar o perfil “Soar”no trabalho de prevenção da criminalidade?
Qualquer organização profissional pode utilizar o perfil “Soar”. Por exemplo, o sector da Educação. É necessário que os professores conheçam o perfil de personalidade de cada aluno, para poder dar tratamento diferenciado e equilibrado. Ninguém deve ser tratado como deficiente. O que importa é a sua personalidade. Uma criança normal é activa, impaciente e extrovertida. Mas o professor pode achar que ela tem défice de atenção ou que é doente. Se não conhecer os perfis de personalidade, o professor nunca vai conseguir lidar bem com os alunos.

“Angola é país com marcas históricas de sobrevivência”

Nos últimos anos, tem havido um recrudescimento da violência em muitos lares em Angola. Com a ajuda do “Soar” é possível travar esse fenómeno social?
A violência pode ser resultante de fracturas emocionais que as pessoas carregam nas suas vidas. Várias pessoas que cometem crimes carregam uma linguagem de dor, por terem sido vítimas no passado de algum tipo de abuso emocional, físico ou psicológico e acabam por ferir o próximo por não terem procurado ajuda de um psicólogo. Angola é um país sofrido, com marcas históricas de guerras e de sobrevivência. Em Angola, há pais que viram os filhos morrer nos seus braços e também presenciaram abusos de todo o tipo. Essas feridas e emoções não foram saradas. Com o perfil de personalidade é possível detectar a linguagem de dor, algo que pude perceber nos seminários e consultas que já orientei em Angola.

A dor de que fala pode ser “transferida” para os filhos?
A dor que as pessoas receberam e viram durante a guerra e os abusos que sofreram inconscientemente pode ser transferida para quem estiver por perto, porque quem viu muita violência não importa fazer violência. Angola é um país de dor. Não digo isso como crítico, mas como um homem que aprendeu a amar Angola, desde a primeira visita que fez ao país. Preocupado estou também com as próximas gerações de filhos de pais separados e alcoólatras, factos que podem criar um ambiente de violência. Os mais próximos podem ser as potenciais vítimas. Existem estudos científicos sobre o que leva as pessoas a serem agressivas. Há maior probabilidade de cometimento de abusos ou doutro tipo de crimes no seio familiar por quem foi vítima no passado.

Em Angola, há empresas e órgãos da administração do Estado que já estão a usar o perfil “Soar”?
Muitas empresas usam o perfil “Soar” e têm sido bem-sucedidas. Entre as empresas que usam está, por exemplo, a UNITEL. As empresas angolanas que nos procuram têm estado a usar os conhecimentos transmitidos em seminários realizados dentro de um programa de formação, visando o sucesso empresarial.

Tem saído de Angola satisfeito com o resultado das formações?
Na verdade, o perfil “Soar” oferece um conjunto de ferramentas para municiar pessoas colectivas e individuais. Com o perfil “Soar”, as instituições criam equipas competitivas, equilibradas e bem geridas.

Qual é a particularidade do perfil “Soar” em comparação com outros?
Existem muitas ferramentas para a identificação de um perfil de personalidade. O grande diferencial do “Soar”, em comparação com os demais, é a sua assertividade. Temos uma universidade que está ligada ao desenvolvimento do perfil “Soar”, que é a Florida Christian University, de que sou reitor. A universidade usa há 23 anos o perfil “Soar” como uma ferramenta de desenvolvimento. Através do Instituto Global Soar, o corpo docente usa a comunicação e o perfil de personalidade em todos os cursos. Nós transformamos as pessoas que passam pelo Instituto Global Soar em especialistas de perfis de personalidade, independentemente da carreira que sigam.

Quantas vezes já esteve em Angola e qual é a impressão que tem do país?
É a quarta vez que venho a Angola e considero-me um filho desta terra. Aprendi a amá-la. É um país em desenvolvimento e que pode fazer coisas maravilhosas. Vejo Angola com uma riqueza enorme, além do petróleo e dos diamantes. Angola tem uma potencialidade enorme e pessoas sedentas de conhecimento, inteligentes e que procuram se superar diariamente. Tenho um certo conhecimento de Angola, um país que está em transformação. As pessoas estão a tentar libertar-se do sofrimento e das marcas do passado, e à procura de novas alternativas de vida.

Os angolanos que se formaram pela Florida Christian University não viram até hoje os seus diplomas reconhecidos pelo Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação, porque os estudos feitos à distância e em regime semi-presencial não são validados no país por falta de legislação. Sempre que vem a Angola tem contactado o departamento ministerial que trata da avaliação, acreditação e reconhecimento dos estudos do ensino superior?
Estamos em contacto permanente com o Ministério do Ensino Superior, Ciências, Tecnologia e Inovação para a validação dos diplomas da Florida Christian University, que, até agora, formou mais de 200 mestres e doutores angolanos, entre os quais pessoas que ocupam cargos relevantes em ministérios e empresas públicas. Estamos interessados em estabelecer parcerias em várias áreas do conhecimento, sobretudo nos cursos de Sociologia, Psicologia e Gestão e Administração de Empresas. Queremos estabelecer com universidades angolanas programas de intercâmbio para professores e estudantes, por ser importante a internacionalização do ensino e das carreiras.

Os resultados dos encontros mantidos são animadores?
São, sim, animadores, mas há ainda uma série de questões burocráticas por analisar. Mas estamos expectantes de que o nosso interesse em estabelecer parcerias com universidades angolanas vai ser considerado. Angola está a abrir-se para um mercado global, razão pela qual deve acompanhar a dinâmica dos países mais desenvolvidos, por via da preparação contínua dos seus quadros.

Quando é que regressa a Angola?
Pretendo regressar em breve para uma conferência internacional, na qual vão ser abordados temas ligados à violência.

Data de Emissão: 30-11-2022 às 07:30
Género(s): Entrevista
Tópicos(s): Angola, EUA
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