Episódio#2 - 20 anos de paz em Angola
20 anos de paz. E os próximos 20 anos, o que queremos de nós?
Adebayo Vunge
Em 1990, a morte de um meu irmão, alterou em definitivo o lustro da minha
família. Teria na altura os seus 22 anos de idade. Tinha sido tropa desde os
seus dezoito anos, não obstante todas as condições para obter o regime de
excepção. Dois dos meus irmãos já estavam na tropa e ele seria, portanto, o
terceiro enquadrado militarmente. Outra razão para o seu regime de excepção
era o facto de ser estudante da faculdade de engenharia. Nem isso o livrou.
Uma terceira razão, era o facto de ser professor de matemática no Nzinga
Mbandi. Sem dúvidas, o Titi era um génio. Era incrivelmente bom em tudo o
que fazia. No futebol era um craque, tendo jogado e se distinguido nos
«caçulinhas da bola». Pintava e desenhava como ninguém. Os números eram
a sua paixão.
Mas o Titi acabou desertando e emigrou para Portugal e de lá, pouco tempo
depois, recebemos um fatídico telefonema da sua morte que abalou a todos,
especialmente o meu Pai.
Trago essa história trágica, entre outras que se contam nas famílias, dos filhos
que voltavam feridos quando não mortos porque a dor da guerra esteve
presente em todas as famílias de Angola. De uma ou doutra forma, todos
sofremos. E a dor foi a única que não teve lados. Não acredito que seja
exagerado afirmar que todas as famílias em Angola perderam ao longo dos 37
anos de guerra pelo menos um ente querido, seja em que circunstâncias fosse.
A guerra, portanto, levou consigo muitos valiosos quadros do nosso País, ao
mesmo tempo que nos deixou um fardo de destruição incomensurável.
Com a paz, deixamos de assistir as rusgas, o recolher, o cativeiro. O espectro
de guerra está cada vez mais distante e, por isso, vinte anos depois,
precisamos dar espaço aos “generais da paz”, como lhe chamou o Presidente
João Lourenço durante a sua campanha em 2017. Os generais da paz são
todas e todos os jovens de mérito que dão o seu melhor em prol do País,
materializando o sagrado principio de John Kenedy: não pergunte o que o seu
País pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer pelo seu País.
Essa é para mim a expressão máxima do patriotismo. A nossa predisposição
em fazer, como diriam os religiosos, em edificar, eu prefiro a expressão em
transformar. Mas essa transformação só irá acontecer se todos investirmos um
pouco de nós na educação. Como diria Paulo Freire, precisamos que a nossa a
educação seja libertadora, das questões cívicas às científicas e artísticas.
Reina por ai algum obscurantismo e anarquia. Só isso explica os kupapatas em
todo o País a andarem em sentido contrário ante o olhar silencioso (vencida
pelo cansaço) da polícia nacional. Só isso explica o vandalismo dos bens
públicos. Isso explica a vontade de todos pretenderem aumentos salariais
colossais quando o País não está a gerar riqueza, se considerarmos os dados
do PIB. Isso explica a ganância e elevada especulação de preços que se
regista no nosso País, tornando-nos “incompreensivelmente” num dos países
mais caros do mundo.
Os próximos vinte anos, com “os generais da paz”, devem ser dedicados a um
investimento massivo na educação formal. Não para termos muitos licenciados
apenas, mas para termos gente formada e que possa contribuir de forma
significativa com o seu saber e com o seu saber fazer para que, mais do que a
doutoromania, possamos ter uma geração altamente competente e competitiva.
O calar das armas retirou-nos a dor e o sofrimento de ver os nossos irmãos
partir. O calar das armas tirou-nos a dor e o sofrimento de ver os nossos
irmãos voltar da frente de combate entre a vida e a morte, alguns amputados e
outros simplesmente perdidos porque os seus familiares perderam o seu rasto
e vivem décadas sem qualquer informação sobre o seu paradeiro, após terem
sido levado por um tropa incauto e movido numa guerra que nem ele mesmo
saberia dizer as razões de fundo.
Portanto, o que todos esperamos, passados vinte anos de paz, de
reconciliação e acima de tudo de reconstrução nacional, é que os próximos
vinte anos sejam de um investimento profundo nas dimensões do capital
humano. Com estes pilares poderemos falar em desenvolvimento sustentável,
apoiado em gente com saber e com saber fazer. Que possamos em definitivo
seguir o caminho da Malásia ou Noruega, abandonando toda a megalomania e
nos concentrando em resolver gradual e de forma consistente os nossos
pequenos, mas bicudos problemas. Não podemos estar entre um passo
adiante e dois atrás.
Depois da independência, a paz é, sem sombra de dúvidas, a maior conquista
do Povo Angolano. Não devemos esconder o que se passou. Devemos superar
os traumas e evitar que alguma vez mais venhamos a assistir o que vimos
acontecer em Angola, de forma alternada, entre 1975 e 2022. Festejemos a
nossa paz!
BOCA
Os próximos vinte anos, com “os generais da paz”, devem ser dedicados a um
investimento massivo na educação formal. Não para termos muitos licenciados
apenas, mas para termos gente formada e que possa contribuir de forma
significativa com o seu saber e com o seu saber fazer para que, mais do que a
doutoromania, possamos ter uma geração altamente competente e competitiva.
Uma edição com participação de Tiago Costa.